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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Alagoa e a história da centenária receita de seu queijo

(Por Arnaldo Silva) Alagoa é uma cidade charmosa, elegante, tradicional, aconchegante e de um povo gentil e hospitaleiro. São pouco mais de 2800 mil habitantes, que vivem do pequeno comércio, da prestação de serviços, da pequena indústria como laticínios, produção de azeite de oliva e queijarias artesanais, além da agropecuária. 
Conheça Alagoa          
          O município fica no Sul de Minas, a 1132 metros de altitude, no alto da Serra da Mantiqueira. Faz divisa com os municípios de Itamonte, Aiuruoca, Baependi e Bocaina de Minas, estando distante 420 km da capital. Para chegar à cidade, a opção é pela estrada que vem de Itamonte ou por Aiuruoca. (foto abaixo enviada pelo Osvaldo Filho do Queijo D´Alagoa)
          Embora seja um dos menores municípios de Minas, em número de habitantes, Alagoa é uma das mais antigas povoações mineiras, tendo sua história iniciada em 1710, no século XVII, com a chegada de bandeirantes em busca de ouro. Quando os bandeirantes chegaram à região, encontraram uma enorme lagoa com cerca de 3 km de extensão e ainda, em seu leito, tinha o tão procurado metal, o ouro. A lagoa não tinha nome, era chamada apenas de “a lagoa”.
          A busca desenfreada pela retirada do ouro foi tão intensa, que da lagoa nada existe. Sobrou apenas o nome pela qual era chamada, “a lagoa” que passou a ser o da cidade, juntando o “a” com “lagoa, ficando, Alagoa, elevada à cidade emancipada em 28 de dezembro de 1962. (foto abaixo enviada pelo Rafael Faria, da queijaria Sítio do Morro)
Uma típica cidade mineira
          A cidade preserva a religiosidade, a cultura, a gastronomia, história e tradições de Minas. Seus moradores tem hábitos tipicamente mineiros. Todos se conhecem e boa parte, tem algum tipo de parentesco. Visita que chega vai logo pra cozinha, tomar café, comer pão de queijo e biscoitos assados no forno do fogão a lenha, tomar aquele café coado em coador de pano e claro, comer queijo.

          Casario colonial bem preservado, ruas calçadas com paralelepípedos. Os poucos carros que circulam em suas estreitas ruas, dividem espaço com as tradicionais charretes ou pessoas montadas em cavalo, pela cidade. Em Alagoa, os dias da semana parecem com os domingos. Dias calmos, sossegados, e tranquilos, rompidos apenas pelo barulho dos sinos da Matriz. (fotografia acima e abaixo de autoria de Marlon Arantes)
O italiano e o queijo de Alagoa
          Cidades assim, geralmente passam despercebidas, mas Alagoa é diferente, por um detalhe que a torna famosa e conhecida em Minas, no Brasil e no mundo inteiro: o seu queijo, cuja receita é preservada há mais de 100 anos. Um queijo especial, de sabor único, só encontrado no município e em nenhum outro lugar. 
          No final do século XIX e início do século XX, chegaram ao Brasil centenas de milhares de imigrantes europeus. Alguns desses imigrantes, em especial, dinamarqueses e italianos, vieram para o Sul de Minas.
          Entre esses imigrantes, chegou a Alagoa, Paschoal Poppa, com sua esposa Luiza Altomare Poppa. De origem familiar queijeira, o casal conhecia muito bem a arte de fazer queijos. Perceberam a semelhança do clima das montanhas da Mantiqueira, a qualidade da água e da terra, que permitia uma pastagem de qualidade, além da geologia e da altitude, com as terras italianas. Semelhanças essas que, aliada aos conhecimentos dos italianos sobre a produção de queijos e vontade de, literalmente, pôr a mão na massa, são fatores primordiais para se produzir queijos de qualidade.
          Poppa começou a desenvolver sua receita, inspirada no queijo Parmesão, de Parma, na Itália. Embora tenha percebido semelhanças com o clima italiano, há uma grande diferença entre semelhança e ser igual. Isso porque, em se tratando de queijos, o que define a qualidade, aparência, cor, textura e sabor dos queijos, além da pastagem, manejo de gado, clima e qualidade da água, são as bactérias benéficas presentes no leite e os fungos que se formam durante a maturação e não propriamente dito, uma receita. (na foto abaixo, enviada pelo produtor Renato, a Fazenda Bela Vista, onde se produz o queijo Bela Vista)
O queijo de Alagoa não é Parmesão
          Queijo é um alimento vivo e cada região tem bactérias e fungos lácteos próprios, sendo formados de acordo com as características climáticas da região, bem como a qualidade e manejo do gado. Não é receita que dá textura, cor, característica, aparência e sabor aos queijos e sim bactérias e fungos, formadas durante o preparado e maturação dos queijos.
          Por esse motivo que o queijo feito em Alagoa é o Queijo de Alagoa, com identidade, peculiaridade, com características únicas e próprias, porque as bactérias e fungos presentes nesse queijo, são características de Alagoa, presentes nesta região somente e em nenhuma outra região, por isso é queijo é único.
          Com sua receita, Poppa começou com uma pequena queijaria. em sua propriedade. O negócio foi crescendo, o queijo foi caindo no gosto dos moradores da região. Em parceria como o produtor rural João Luís da Fonseca, construiu três laticínios no município, aumentando a produção e abrindo novos mercados na região, bem como tornando o queijo popular, atraindo o interesse de outros produtores em produzir queijos. Poppa passou sua receita para Gumercindo Ferreira Pinto, que ensinou a seus filhos, passando de pai para filho, de laticínio para laticínio, de família para família, até os dias de hoje. O mesmo aconteceu com outras famílias, que aprenderam a receita de Paschoal Poppa e começaram a fazer queijos e continuam até hoje.
          Aos poucos o Queijo Artesanal de Alagoa foi saindo das divisas alagoenses e alcançando outras cidades da região, inclusive cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, na divisa com Minas Gerais. No início, os queijos eram levados por tropeiros, em lombos de burros, cortando a Serra da Mantiqueira. (na foto abaixo, enviada pelo Renato, queijos da Fazenda Bela Vista)
          Assim surgia o Queijo Artesanal de Alagoa, um queijo único no mundo, com sabor inigualável. Hoje, o Queijo Artesanal de Alagoa é a principal identidade gastronômica da cidade.
Conhecendo o "tremruá" do queijo Alagoa
          Experimentei o Queijo Artesanal de Alagoa e constatei que ele tem um nível maior de umami. Esse nome tem origem japonesa e significa delicioso, saboroso. É o chamado “quinto sabor”, que alguns alimentos especiais, proporcionam e nos fazem descobrir. Alimentos umami se caracterizam por dar água na boca, além de salivar, ao olhar. É aquele alimento que colocamos na boca e demoramos um pouco para engolir, para aproveitar mais o sabor e querer comer mais.
          No caso do Queijo Artesanal de Alagoa, um sabor a mais, diferente e único que desperta o quinto sabor (umami) das pessoas, agradando e aguçando os mais exigentes paladares.
          Seu sabor único e inigualável e seu terroir próprio, são os motivos de tanto sucesso. Terroir (pronuncia-se “terruá) é uma palavra francesa que define um conjunto de características próprias do produto de um determinado lugar, que faz com que a produção local seja única. Em Minas pronunciamos “Trem-ruá”, nominação dada pelo Mestre Queijeiro Túlio Madureira, do Serro MG. 
          No caso de Alagoa, é a combinação das montanhas, pastagens, clima, água, solo, manejo do gado e evidentemente, bactérias e fungos, que resultam no “trem-ruá” próprio e único do Queijo Artesanal de Alagoa. (na foto acima enviada pelo Rafael Faria, Queijo Artesanal de Alagoa Sítio do Morro)
Queijo único
          A centenária receita é guardada com carinho pelos alagoense. A mesma receita pode ser feita em outras cidades, outras regiões com leite de qualidade, mas nunca vai ser igual ao queijo feito em Alagoa, como citei acima, devido às bactérias e fungos, presentes nas regiões, no caso de Alagoa, são bactérias e fungos naturais da região.
          Tem como levar uma receita para outra região ou mesmo fazer a mesma receita em outro país, mas levar fungos e bactérias junto com a receita, é impossível. Pode fazer a mesma receita, seguindo tudo à risca, mas a ausência das bactérias e fungos que caracterizam o queijo, fará que o sabor, textura e até a cor, sejam diferentes, pode até lembrar ou parecer, mas igual, com certeza, nunca será. É isso que define o terroir ou o nosso trem-ruá.
          Das queijarias de Alagoa, dezenas de produtores preservam a tradição da produção de queijo em família e a receita original e centenária do Queijo Artesanal de Alagoa. Mesmo com as atuais exigências legais e sanitárias, dos maquinários modernos usados para fazer os queijos hoje, do trabalho que dá fazer, aguardar a maturação e comercializar os queijos, continuam a produzir um queijo de altíssima qualidade, mantendo o sabor único, tradicional e original dos queijos, desde 1920.
          Ainda tem as famílias alagoenses que produzem seus queijos da forma tradicional, exatamente como no século passado, totalmente artesanal. (na foto abaixo do Jerez Costa, o Queijo D´Alagoa, do produtor Osvaldo Filho)
Como é feito o Queijo Alagoa?
          O começo da produção do queijo artesanal começa já na pastagem. Tem que ser capim de qualidade, bem como a água, tem que ser limpa e pura, preferencialmente, água vinda direto da mina. Pastagem e água de má qualidade, interferem no sabor do leite, e como consequência, no sabor do queijo.
          O queijo é feito com leite cru, fervido no fogão a lenha. O fermento sai da própria produção que sobra do produto. Os vasilhames usados para produzir o fermento não são lavados com detergentes, para não alterar o ácido e prejudicar a formação do fermento, que é feito num dia e usado no dia seguinte.
          Em seguida o queijo é colocado em gamelas bem limpas, de madeira de pinho, ótimas para conservar melhor o queijo, além de fazer com que a massa absorva a cor da madeira, dando ao queijo uma cor amarela, e ainda, ajuda na maturação. Resumidamente, esse é o processo de produção do Queijo Artesanal de Alagoa.
Queijo premiado dentro e fora do Brasil
          O queijo está presente na vida do povo mineiro desde o século XVIII. É uma das principais identidades de Minas Gerais e Alagoa tornou-se uma das principais regiões queijeiras do Estado, justamente pela qualidade de seus queijos, reconhecida e premiados em nível estadual, nacional e internacional. 
          Destaques para os queijos da Fazenda Bela Vista, do produtor Renato, medalha de ouro no último concurso internacional do Mondial Du Fromage, a copa do mundo dos queijos, realizado na França em 2019, além do Queijo D´Alagoa, do produtor Osvaldo Filho, medalhas de prata e bronze, no mesmo concurso. O mesmo queijo, do Osvaldinho, como é conhecido, foi eleito o Queijo do Ano em 2018, em São Paulo. (na foto acima, enviada pelo Osvaldo Filho, o Queijo D´Alagoa, marcando presença em París/França)
          Outros produtores do município, vem entrando no mundo dos queijos artesanais mineiros e se destacando pela qualidade e sabor, como o queijo artesanal Sítio do Morro, da família do produtor Rafael Faria.
Região queijeira reconhecida
          O Queijo Artesanal de Alagoa é tão especial e importante para Minas que a região foi identificada e reconhecida pelo Governo de Minas Gerais, através do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER/MG), órgãos ligados à Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa/MG), como região produtora de queijo artesanal, através das portarias 1985 e 1986, anunciada em junho de 2019.
          Nesse mesmo dia, além do reconhecimento como região produtora de “Queijo Artesanal de Alagoa”, foram reconhecidas as cidades de Aiuruoca, Baependi, Bocaina de Minas Carvalhos, Itamonte, Liberdade, Itanhandu, Passa Quatro e Pouso Alto, no Sul de Minas, como produtoras de “Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas”.
          Tanto o Queijo Artesanal de Alagoa, bem como o “Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas”, tem características, peculiaridades e identidades próprias, que os diferem do Queijo Minas Artesanal (QMA), produzidos nas atuais 7 regiões queijeiras mineiras que são: Canastra, Cerrado, Serra do Salitre, Araxá, Triângulo Mineiro, Campo das Vertentes e Serro. Os queijos das regiões QMA são produzidos com o pingo, ao contrário dos queijos da região queijeira de Alagoa e da Serra da Mantiqueira de Minas, que utilizam fermento natural, além de aquecer o leite durante o processo de produção. A similaridade é que todas essas regiões, usam o leite cru na produção dos queijos. 
          Segundo dados de 2019, da Emater/MG, em Alagoa existem 139 queijarias artesanais, com uma produção anual de 58,4 mil toneladas de queijo, sendo vendidos na região, presentes ainda em pontos de vendas e algumas queijarias, como a Queijo D´Alagoa (na foto acima enviada pelo Osvaldo Filho, se destaca pela venda de seus queijos em loja física e online, com entrega pelos correios.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Santana do Riacho: porta de entrada para a Serra do Cipó

(Por Arnaldo Silva) Considerada a porta de entrada para a Serra do Cipó, a 750 metros acima do nível do mar, está Santana do Riacho, distante 120 km de Belo Horizonte, ao norte da capital, na região Central, com acesso pela MG-010. 
          O município faz divisa com Congonhas do Norte, Santana do Pirapama, Baldim, Jaboticatubas, Conceição do Mato Dentro e Morro do Pilar. Conta atualmente com cerca de 5.313 habitantes apenas, que vivem da agricultura, além de contar com um comércio variado, da mineração e extração de pedras preciosas, como o mármore, e de ter uma rede de prestação de serviços muito abrangente e eficiente. (na foto acima de Raul Moura, a prática de canoagem no Rio Cipó, tendo Santana do Riacho ao fundo. Abaixo, também de Raul Moura, a entrada da cidade)
          A cidade é charmosa, elegante, com ótima estrutura para receber os turistas, com uma excelente rede hoteleira e gastronômica, além de contar com boa estrutura urbana e atividades culturais, religiosas e folclóricas durante o ano.
          Entre essas atividades, destaque para o Carnaval, a Festa de Santa Ana, em 26 de julho, as Festas Juninas, a Festa de Santa Terezinha. Além disso, no mês de julho acontece tradicionalmente, o Festival Gastronômico Sabores do Cipó, uma mostra da culinária apresentada pelos restaurantes locais, além da cultura, turismo e tradições da região do Cipó, mostrando a maravilhosa cozinha mineira, acompanhada de cervejas e vinhos artesanais. Tudo de primeira. 
          O artesanato é outro atrativo para os turistas. Rico e variado, além de muito criativo, expressa a vida e sentimento do povo riachense, através do bordado, trabalhos com couro, arte em materiais recicláveis, bijuterias, artesanato em madeira, além de outras criações dos artesãos locais. (foto acima de Suelen Rezende)
          Santana do Riacho tem origem no século XVIII, tendo se desenvolvido na agricultura desde essa época, por suas terras férteis. Para trabalhar na agricultura, foram chegando gente de várias regiões, dando origem a um povoado a partir de 1744. 
          povoado cresceu, foi elevado a freguesia à distrito no século XIX e por fim, à cidade emancipada em 30 de dezembro de 1962. Com vocação para a agricultura, Santana do Riacho desenvolveu a vocação para o turismo ecológico, já que a cidade está situada na Serra do Cipó, uma das mais espetaculares e deslumbrantes paisagens naturais de Minas Gerais. Sua vegetação é formada por 84% de campos rupestres, 8% do bioma Cerrado e também, 8% do bioma Mata Atlântica. (na foto acima, de Tom Alves/@tomalvesfotografia, a Cachoeira Grande, um dos mais belos cenários de Santana do Riacho e abaixo, vegetação nativa da Serra do Cipó)
          Conta com diversas nascentes, rios como o Parauninha e Cipó, cânions, cachoeiras, trilhas, montanhas e uma impressionante e rica flora nativa, como sempre-vivas, bromélias, copaíbas, limãozinho, quaresmeiras, pau-pombo, canelas-de-ema, samambaiaçus, cactos, dentre outras variedades e diversos animais de nossa fauna como como o lobo-guará, cachorro-vinagre, tamanduá-bandeira, veado-campeiro, onça-parda, gato-maracajá, sagui, jaguatirica, sanhaço, sapo-de-pijama, râ-diurna, dentre outros. Para proteger todas essas belezas naturais, foi criado em 1972, o Parque Nacional da Serra do Cipó. 
          Além das belezas naturais da Serra do Cipó, do charme e elegância da cidade, do lendário Juquinha, que dá “boas vindas” ao visitantes com sua estátua na entrada da cidade e no topo da Serra do Cipó, os distritos de Serra do Cipó e Lapinha da Serra, são outros grandes atrativos de Santana do Riacho.
          Lapinha da Serra é uma charmosa vila colonial do século XVIII, com seu cume, o Pico do Breu, que está a 1.687 metros de altitude, sendo esse um dos grandes atrativos do distrito, além das cachoeiras em redor, como da Conversa, do Rapel, do Paraíso, do Jurutu, do Lajeado, do Soberbo, do Bicame, além da beleza do Rio Cipó que serpenteia a região. (foto acima do Tom Alves/tomalves.com.br, a estátua do Juquinha e abaixo, de Marcelo Santos, o distrito de Lapinha da Serra)
          Já a vila Serra do Cipó é a principal porta de entrada para o Parque Nacional da Serra do Cipó. Além do charme da pequena vila, o visitante encontra lugares propícios para escaladas, como morros e montanhas, além de cânions, cachoeiras que formam piscinas de águas cristalinas, como as cachoeiras do Sobrade de Cima, das Andorinhas, do Gavião, de Congonhas, do Tombador e do Travessão. No distrito Serra do Cipó, o turista conta com uma ótima estrutura, com pousadas e restaurantes de primeira, além de áreas para camping. 
          Conhecer Santana do Riacho, os distritos de Serra do Cipó e Lapinha da Serra, além de desfrutar todo o aconchego que a cidade oferece, tem as belezas e atrativos naturais da Serra do Cipó. Sem dúvida, um lugar que vale a pena conhecer, estar e vivenciar. Quem vem á Santana do Riacho, volta, não uma vez, mas várias vezes. A região é incrível, com belezas impactantes.

domingo, 8 de novembro de 2020

O forno feito de barro, água e açúcar

(Por Arnaldo Silva) Desde a descoberta do fogo, na Idade da Pedra, o homem vem aprimorando as formas de preparar seus alimentos. O primitivo fogão de pedras evoluiu para os fogões a lenha que temos hoje, muito mais sofisticados e mais eficientes, bem como, temos os fogões a gás, que vem evoluindo a cada dia, com avanços tecnológicos impressionantes. 
          O fogão a lenha e o forno de barro, são criações universais, há milhares de anos, presentes no mundo inteiro. Em Minas, tanto o fogão a lenha, quanto o forno de barro, faz parte da identidade, tradição e cultura mineira, e claro, o sabor dos tradicionais pratos mineiros, tem ligações diretas com o fogão a lenha e o forno de barro. Esses dois, estão presentes nas cozinhas do interior mineiro. (na foto acima de Lucas Gonçalves Queirós, tradicional forno de barro, em São José do Jacuri MG)
          Mesmo com as novas tecnologias dos fogões e fornos hoje, como os fornos elétricos, a gás e micro-ondas, o mineiro não dispensa um fogão a lenha e muito menos, o preparo de suas quitandas no velho, rústico e tradicional, forno de barro. 
          É fato que os fornos e fogões mais rústicos, evoluíram, em relação aos de séculos anteriores, e obviamente, de milhares de anos atrás, quando o homem passou a cozinhar seus alimentos e descobriu também que o fogo, além de cozinhar, podia assar os alimentos. (foto acima de Edson Borges em Felício dos Santos MG)
          Para assar, usavam a argila que retiravam do fundo dos rios e colocavam no chão em forma de círculo, para isolar o fogo e evitar que ele se apagasse. O alimento a ser assado era colocado no centro. Com o passar do tempo, o homem foi aprendendo a trabalhar melhor a argila e usar pedras para fazer fogões e fornos, para assar e cozinhar seus alimentos. 
          Para chegar à atual evolução que temos hoje dos fornos de barro e a gás, bem como dos fogões, foram mais de 5 mil anos. Os primeiros registros da existência de forno nos moldes parecidos que temos hoje, vem da antiga região da Mesopotâmia, hoje formada pelo Iraque, Kuwait e Síria. (quitandas feitas em forno de barro, fotografada pelo Edson Borges em Felício dos Santos MG)
          Fazer um forno de barro hoje, um fogão com forno, parece ser bem simples, mas a humanidade levou cerca de 5 mil anos para chegar a esse estágio hoje. Mesmo com toda a evolução que temos atualmente, com fornos industriais e domésticos super modernos, o velho, rústico e antigo forno de barro, ainda é o preferido, principalmente pelos mineiros. 
          Nos quintais mineiros, o forno de barro está presente, praticamente feito da mesma forma que há séculos. O que mudou, é que ao invés de usar pedras, usa-se tijolos e a tampa da entrada é de chapa de aço. A base do forno é mais trabalhada, com revestimento, bem como usa-se açúcar cristal na mistura do barro. (fotografia acima de Sônia Fraga em São Tiago MG)
          Isso mesmo, açúcar, que é misturado ao barro, para dar firmeza, tornando-o mais resistente ao calor das chamas, evitando assim as trincas nas paredes do forno. 
          Seja em qualquer país do mundo, essa forma de fazer os fornos é a mesma. O que mudou são os materiais usados hoje, mais resistentes, tornando os fornos mais bonitos e duráveis, graças ao maior conhecimento da humanidade, atualmente. Mas a ideia original, de como assar os alimentos, continua do mesmo jeito.
          Quanto maior o forno, mais calor interno, podendo chegar a uma temperatura de 1000º C, fazendo com que as quitandas assem bem rápido, por isso sua eficiência e grande economia. 
          A lenha é colocada no interior do forno para queimar e com a ajuda de uma colher de ferro, as chamas são espalhadas para os cantos, distribuindo o calor para o interior de todo o forno. Quando estão em brasa, colocasse as fôrmas no centro, tampa-se o forno e deixa os alimentos assando. As chamas não devem ficar acesas com os alimentos, para evitar que queimem. (foto acima de Márcia Rodrigues em Felício dos Santos MG)
Como fazer o forno de barro com açúcar 
- Para cada 20 quilos de barro, deve se misturar 1 quilo de açúcar com o barro, dissolvê-los na água e amassar a mistura, de preferência com os pés, até que fique uma passa densa e homogênea. (na foto acima de Ernani Calazans, de Araçuaí MG, Vale do Jequitinhonha, o barro mais usado na fabricação de fornos) 
- Preparado a massa, monta-se uma base quadrada de mais ou menos 1,30 metros de diâmetro, com tijolos ou pedras assentadas com cimento e se preferir, revestidas com pedra ardósia. A altura ideal é 80 centímetros do solo.
- Sobre a base, espalhe uma densa camada de barro misturado com açúcar e um pouco de água, para virar uma massa. Soque bem a massa.
- Passe-a sobre a base uma densa camada de barro e comece a assentar os tijolos em forma circular, com diâmetro de 1,20 metros, deixando espaço nas bordas da base.
- Deixe um espaço de mais ou menos 30 centímetros, que será a entrada para a lenha e das fôrmas.
- Em forma circular, vá colocando os tijolos, a massa, tijolos e ao mesmo tempo, passando a massa na parede inferior, tipo um reboco.
-  Espere secar e passe novamente o barro, deixando secar mais uma vez e por fim, passe a terceira camada, continuando o assentamento dos tijolos e barreando por três vezes o interior, até o topo do forno.
- A partir da terceira ou quarta camada de tijolos, vá afunilando a base, até o topo ficar em forma que lembre a metade de um ovo, tipo chaminé. A altura do forno é de mais ou menos 80 centímetros, de altura. (foto acima de Ernani Calazans em Araçuaí MG)
- Todo o interior do forno deve ser bem preenchido com o barro e com a massa bem socada mesmo
Tem fornos que não tem a chaminé, porque fazem a abertura do outro lado, a porta de entrada, de mais ou menos 20 centímetros, mas o mais comum, é usar uma chaminé no topo do forno. Se for deixar a outra porta no fundo, tampe a parte superior com tijolos e barro.
- Concluída essa etapa, passa-se o barro na parte exterior do forno, deixando secar.
- Ao secar, aparecerão rachaduras, devendo passar outra camada de barro e açúcar, aguardando a secagem e por fim, aplicando a terceira camada.
- O acabamento final pode ser feito com caiação do exterior do forno, ou mesmo, o uso de tabatinga, um barro na coloração branca, muito comum no Vale do Jequitinhonha.
- Antes de usar o forno, deve se colocar lenha dentro do forno, queimar, tampar o forno e deixar a lenha ardendo em chamas por várias horas, até que o topo da fornalha comece a ficar vermelho. 
          Por fim, limpe o forno e já pode usá-lo para assar pães, bolos, roscas, biscoitos e várias outras quitandas.
          Não esqueça de manter a porta do forno fechada, quando estiver assando, para evitar que o calor do forno saia e provoque ausência de calor no interior, prejudicando o preparo das quitandas.
          Agora é só aproveitar as delícias que saem dos nossos fornos de barro e tomar com café, como estes biscoitos de polvilho, preparado pela mãe de Márcia Rodrigues em Felício dos Santos MG

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Arroz com costelinha na beira do Rio São Francisco

(Por Arnaldo Silva) Viver já é bom, imagina viver em Minas e na beira do Rio São Francisco. É um privilégio! São centenas de rios, milhares de cachoeiras espalhadas por Minas Gerais e o mineiro não perde tempo. Fim de semana ou em feriados, está lá, na beira dos rios, pescando e principalmente, fazendo o tradicional piquenique em família. 
          Foi o que fez Maria Mineira, autora das fotos que ilustram a matéria, de São Roque de Minas e família, na beira das águas limpas do Rio São Francisco, já próximo a Vargem Bonita. É na região onde estão as nascentes que formam o Rio São Francisco, com as águas correndo limpas e cristalinas. Ótimo para passar o dia, nadar, brincar, praticar esportes e claro, cozinhar. 
          Maria Mineira preparou um legítimo arroz mineiro com costelinha de porco, ao ar livre, feito num fogão de pedras, num caldeirão de ferro. Não tem coisa mais mineira e deliciosa que isso. 
Vamos aprender a fazer esse arroz com costelinha:
INGREDIENTES
. 2 quilos de costelinha de porco cortadas em pedaços miúdos
. 2 copos (requeijão) de arroz
. 4 dentes de alho picados
. 5 copos (americano) de água quente
. 2 folhas de louro
. 1 cebola grande picada em pedacinhos
. Sal a seu gosto
. 1/2 copo (americano) de óleo
MODO DE PREPARO
- Ferva a água e reserve
- No fogão a lenha, coloque o caldeirão, despeje o óleo e frite um pouco as costelinhas.
- Em seguida, acrescente o sal, o alho, a folha de louro, a cebola e mexa bem por 1 minuto.
- Agora, coloque o arroz e mexa até misturar bem, refogando por uns 3 minutos.
- Despeje aos poucos a água fervente, acerte o sal e tampe.
- Numa panela de ferro e em fogão de pedra, o cozimento é bem rápido. Fique sempre atento para caso a água secar e queimar o arroz. Se precisar, coloque mais água, até que o arroz esteja bem cozidinho.
- Acompanha uma salada de tomate com repolho e uma limonada ou laranjada, bem gelada.
          Depois do almoço, o bom é relaxar, deitar numa rede e curtir a som da natureza, ouvindo a sinfonia do vento, o barulho da correnteza das águas e a suavidade da sinfonia dos pássaros.
          Agora, na foto acima, prestem atenção num detalhe: sacos plásticos pendurados nas árvores. Quando vamos passear ou acampar na natureza, levamos comidas e bebidas. Se levamos, podemos trazer de volta as embalagens, nas mesmas sacolas que vieram. Foi o que foi feito. Deixaram no lugar apenas suas pegadas e tiraram apenas fotografias
          Garrafas, latas, plásticos, papel, todo o lixo que produziram, foi recolhido e colocado nas mesmas sacolas que vieram, para ser descartado corretamente, na cidade. Nada de usar a natureza, curtir, aproveitar e deixar rastros de sujeira e destruição. Outros irão usar, até mesmo quem sujou. É simples, se trouxe comida, pode muito bem trazer de volta, o lixo. A natureza agradece. 

sábado, 3 de outubro de 2020

Ouro Fino e a história do Menino da Porteira

(Por Arnaldo Silva) O município de Ouro Fino foi fundado em 18 de março de 1749 com a formação de um pequeno arraial, durante a descoberta de ouro na região. O arraial cresceu com a mineração do ouro, foi elevado a vila e à distrito e por fim, a cidade emancipada em 1880. Cidade charmosa, atraente, hospitaleira e acolhedora cidade do Sul de Minas e uma das mais tradicionais e antigas cidades de Minas Gerais. 
          Está a 459 km distante de Belo Horizonte e conta atualmente com cerca de 35 mil habitantes, fazendo divisa com Monte Sião, Inconfidentes, Bueno Brandão, Ipuiuna, Santa Rita de Caldas, Jacutinga, Borda da Mata e Andradas. Cortada por vales, montanhas e serras belíssimas, a altitude do munícipio varia de 997 metros a 1591 metros.(fotografia acima de Marcos Pieroni)
          De sua história, destaca-se belos casarões e a Praça da Matriz, marco da cidade, com mais de 250 anos, com seu santuário, dedicado à São Francisco de Paula e Nossa Senhora de Fátima (na foto acima do Douglas Coltri), além de vários monumentos espalhados pela cidade, que marcam a história de Ouro Fino.
          Entre seus monumentos, destaque para as estátuas do Boi Sem Coração, Berrante e do Menino da Porteira. Isso porque a cidade, foi a fonte de inspiração para o compositor Teddy Vieira, compor uma das mais famosas canções sertanejas do século XX, o Menino da Porteira. Letra e música que retrata o autêntico Cururu, ritmo musical predominante na música caipira do século XX. Esse ritmo é cantado em forma de desafios, repentes e combates rimados, ao som de violas caipiras e batidas do pé. (na foto acima do Douglas Coltri, o monumento batizado de "O Bateador", escultura de 10 metros de altura inaugurada em 2020, que homenageia o garimpeiro e o garimpo do ouro, uma das tradições da cidade, desde o século XVIII).
A origem da música Menino da Porteira
          Teddy Vieira nasceu em 1922, em Itapetininga, no interior paulista e faleceu, vítima de acidente automobilístico, em 1965. É um dos mais importantes compositores sertanejos de todos os tempos. Além de Menino da Porteira, gravada inicialmente pela dupla Luisinho e Limeira em 1955,  Teddy Vieira compôs 300 músicas, todas com temas caipiras. Sem dúvida alguma, Menino da Porteira, foi sua composição de maior sucesso, que o consagrou como um dos grandes compositores brasileiros do século XX. 
          É também de autoria de Teddy Vieira, os clássicos sertanejos  “A Caneta e a Enxada”, em parceria com Capitão Barduino, gravado por Zico e Zeca, em 1956, “Boiadeiro Errante”, imortalizada na voz de Liu e Leo, em 1959, Pagode em Brasília, em parceria com Lourival dos Santos, interpretada por Tião Carreiro e Pardinho, em 1961, e neste mesmo ano, o “Rei do Gado”, também nas vozes de Tião Carreiro e Pardinho.
          Teddy Vieira tinha laços sentimentais com Minas Gerais. Por muito tempo, era figura presente em Andradas, no Sul de Minas, já que sua namorada, América Risso Azevedo (já falecida), com quem casou-se tempos depois, era da cidade e tinha parentes em Andradas. Os dois se conheceram em Tietê, interior de São Paulo. Se casaram em Andradas MG e tiveram um único filho, Teddy Vieira Filho.
           Para chegar à Andradas, passava pelas estradas de terra de Ouro Fino. As duas cidades são distantes, cerca de 80 km, uma da outra. Naquela época, a Região Sul de Minas, era rota de transporte de gado, feito basicamente em Comitivas, com vários boiadeiros, a cavalo, com seus berrantes, conduzindo o gado, cortando as estradas do sertão mineiro, abrindo e fechando porteiras.
        Foi numa dessas idas à Andradas, que Teddy Vieira, teve inspiração para compor sua principal canção. (na foto acima do Guilherme Augusto - In Memoriam), uma das estradas de Ouro Fino)
          Passando pelas estradas de terra de Ouro Fino, tinha que passar por algumas porteiras, que dividiam fazendas. Sair do carro, abrir e em seguida, fechá-la, era cansativo, ainda mais quando viajava num dia de intenso calor. Ao se aproximar de uma porteira, Teddy Vieira percebeu a aproximação de um menino, correndo em sua direção. O garoto abriu a porteira com muita alegria para ele passar. Teddy agradeceu a gentileza, acenando e jogando uma moeda, que deixou o menino saltitante, feliz e agradecido. 
          Seguiu seu caminho, mas a cena ficou em sua mente e dirigindo, teve a inspiração de compor uma uma música, baseado na atitude do menino, começando a compor no mesmo dia, a história de sua nova canção, o Menino da Porteira. (na foto acima da Cássia Almeida, o monumento ao Menino da Porteira na entrada da cidade)
          De real, apenas a alegria do menino ao abrir a porteira e ficar feliz com a moeda que lhe fora jogada, descrita nos primeiros versos da canção: “Toda vez que eu viajava pela Estrada de Ouro Fino. De longe eu avistava a figura de um menino. Que corria abrir a porteira e depois vinha me pedindo. Toque o berrante seu moço que é pra eu ficar ouvindo...”. O restante da história, o berrante, o boi sem coração e o trágico fim, que na sua composição, ele deu ao menino, foram criações do compositor. 
          Assim surgia uma das mais conhecidas e importantes composições da música caipira brasileira, retratada em monumentos na cidade de Ouro Fino MG, retratando o Menino da Porteira, o Boi sem Coração e o Berrante. É o reconhecimento da cidade à importância de Teddy Vieira para a música sertaneja raiz, bem como sua importância cultural para Ouro Fino MG. Com a música, a cidade passou a ser conhecida no Brasil inteiro, como a "cidade do Menino da Porteira".
          A música foi gravada posteriormente por Tonico e Tinoco e vários outros artistas, mas não estourou de imediato. Havia um certo preconceito com a música caipira, principalmente nas grandes cidades, naquela época. Apenas nos povoados das roças e pequenas cidades do interior, que a música caipira fazia sucesso, já que as composições sempre relatavam a vida, jeito de falar e cultura do sertanejo. 
          Eram interpretadas por duplas vestidas no tradicional estilo sertanejo, com viola, sanfona e violão apenas, cantando em duas vozes, no linguajar tipicamente caipira. As apresentações ou shows dos artistas, eram feitos nos povoados e cidades interioranas e também em circos. Até mesmo as rádios, restringiam as músicas caipiras, tocando-as em horários noturnos, tipo, entre 3 da madrugada até as 5 ou 6 da manhã.
          Essa realidade começou a mudar a partir de 1973, quando o cantor da jovem guarda, Sérgio Reis, foi apresentar-se em Tupaciguara MG, no Triângulo Mineiro, num baile de debutantes. Após sua apresentação, uma banda local se apresentou aos presentes e começaram a cantar “Menino da Porteira”, impressionando Sérgio Reis pela comoção e envolvimento do público, com a música. 
          Não era seu estilo, na época, Sérgio Reis tinha saído da Jovem Guarda e cantava músicas românticas. Seria uma mudança brusca de estilo, mas experimentou, gravando o sucesso de Teddy Vieira. A música estourou e começou a ser tocada nas rádios, inclusive FM´s, do interior, fato raro na época. 
          O sucesso da música foi tanto, que o Menino da Porteira, virou filme, produzido pelo diretor de cinema, Jeremias Moreira Filho, em 1976, estrelado pelo próprio Sérgio Reis, que interpretou o peão de boiadeiro, Diogo.
          O Menino da Porteira é uma das músicas imortais. Segue até hoje fazendo sucesso. O filme, de 1976, virou remake, em 2009, interpretado, dessa vez pelo cantor Daniel, que fez o mesmo papel de Sérgio Reis, interpretando o peão de boiadeiro, Diogo.
          Diversos outros artistas da música sertaneja brasileira já interpretaram Menino da Porteira. Hoje é praticamente o hino de Ouro Fino MG, cidade mineira que inspirou a canção.
       
Ouro Fino em Minas ou Ouro Fino em Goiás?
          Embora, todas as evidências apontem para cidade mineira de Ouro Fino, como inspiração para a composição da música o “Menino da Porteira”. Mesmo todos sabendo que Teddy Vieira, estava sempre presente na região Sul de Minas, em Andradas MG, para visitar parentes de América Risso, sua esposa. E ainda, para chegar até a cidade em que o parentes moça vivia, tinha que passar pelas estradas de Ouro Fino MG. (foto acima de Anderson Sá)
          Mesmo com todas essas evidências, tem quem, por desconhecer a história da música sertaneja ou mesmo, a história de Teddy Vieira, aponta a "cidade" de Ouro Fino, no interior de Goiás, como tendo sido a inspiração para a música “Menino da Porteira”. 
          
A questão é que não existe nenhuma cidade de Goiás com o nome Ouro fino. O que existiu foi uma parada de tropeiros, fundada em 1727, com o nome de Arraial do Ouro Fino. Nesse arraial, os tropeiros que cortavam o sertão do Brasil Central levando e trazendo mercadorias, paravam para descanso e pernoite.
          Esse arraial não existe mais, apenas ruínas históricas, já que novas casas foram construídas nas proximidades das ruinas, mas nunca chegou a ser cidade e sim, povoado e por fim, elevado a distrito em 1945, subordinado a Cidade de Goiás, histórico município goiano.
          Em 1950, o distrito de Arraial do Ouro Fino teve seu nome alterado para Itaiú. Ou seja, quando Teddy Vieira compôs o Menino da Porteira, em 1955, Arraial do Ouro Fino nem existia mais.
         O Arraial do Ouro Fino em Goiás não inspirou Teddy Vieira a compor sua famosa canção. Mas foi fonte sim de inspiração de um clássico da música sertaneja, composto por Tonico (da dupla Tonico e Tinoco) e Francisco Ribeiro Barbosa. A música inspirada na "Ouro Fino goian" é “Chico Mineiro”, interpretada originalmente pela dupla Tonico e Tinoco.
          O mais importante verso da letra da música "Chico Mineiro" deixa bem claro quanto a inspiração goiana: “Fizemos a última viagem. Foi lá pro sertão de Goiás. Fui eu e o Chico Mineiro. Também foi o capataz. Viajamos muitos dias. Pra chegar em Ouro Fino. Aonde nós passemo a noite. Numa festa do Divino. A festa tava tão boa. Mas antes não tivesse ido. O Chico foi baleado. Por um homem desconhecido. Larguei de comprar boiada. Mataram meu cumpanheiro. Acabou-se o som da viola. Acabou-se o Chico Mineiro.”
          
Que fique bem claro, a música “Menino da Porteira” foi inspirada em Ouro Fino, no Sul de Minas Gerais e "Menino da Porteira" não tem nada a ver com a "Ouro Fino goiana", que nem existia mais quando Teddy Vieira compôs O Menino da Porteira.
          Por ser a terra da inspiração para a música o Menino da Porteira, a cidade de Ouro Fino MG, incorporou por completo em sua cultura, a história da música, bem como o antigo Arraial do Ouro Fino, hoje Itaiú, distrito de Goiás Velho, que incorporou em sua história o personagem Chico Mineiro.
          As ruínas do antigo Arraial de Ouro Fino é ponto turístico em Cidade de Goiás. Além disso, no local onde acredita-se que o personagem Chico Mineiro, que foi real, morreu, tem uma cruz e uma placa em referência o Chico Mineiro que era tropeiro, mineiro natural de São Gotardo MG e morreu atacado por um homem desconhecido durante a Festa do Divino no Arraial do Ouro Fino, atul Itaiú.
Monumentos de Ouro Fino MG
          O Menino da Porteira virou monumento, que dá as boas-vindas ao visitante que chega à cidade. Na entrada de Ouro Fino, no KM 51, da rodovia MG-290, o monumento de 20 metros de largura por 10 de altura, retrata a porteira e o menino. Dificilmente alguém passa direto sem parar para observar o monumento. Sempre param para tirar fotos. (foto acima do Anderson Sá/@meuolhar.andersonsa)
          Dentro da cidade, foi instalado o monumento ao Boi sem Coração, com um menino sobre a porteira, além de outro monumento, simbolizando o Berrante. (na foto acima do Anderson Sá, o "Boi sem Coração" e abaixo, de Douglas Coltri, o "Menino da Porteira) 
          As obras são do artista plástico Genésio Moura e viraram pontos turísticos na cidade, atraindo ainda, visitantes de outras localidades para conhecer os monumentos, bem como a bela cidade do Menino da Porteira. (na foto abaixo, o Berrante. Fotos do Anderson Sá/@meuolhar.andersonsa)
Outros Eventos em Ouro Fino MG
          Além do Menino da Porteira, que tornou a cidade conhecida em todo o país, Ouro Fino faz parte do Circuito Turístico Malhas do Sul de Minas e conta ainda com belas paisagens, como rios, cascatas, cachoeiras e picos, que possibilitam a prática de Canoagem, paraglider, motocross, passeio de boia, cavalgadas, pesca, trekking, trilhas para bikes, dentre outros.
          Na cultura, destaca na cidade a Ourofolia, um dos melhores carnavais da região. A festa Italiana do Circuito Italo-Braziliano, realizado em março.(na foto acima de Marcos Pieroni, vista parcial da cidade e abaixo do Douglas Coltri, o antigo prédio do Grupo Escolar Bueno Brandão, hoje sede da Secretaria de Educação, Cultura e Turismo de Ouro Fino)
          A Semana Santa e Corpus Christi. A Feira das Indústrias e Ouromalhas, em maio. As festas juninas em junho, além da realização do Festival de Interpretação de Música Sertaneja, com entrega do Troféu, O Menino da Porteira. Em julho acontece a Festa do Peão e em agosto o Ouro Rock, além de outros eventos ecológicos, religiosos, esportivos e musicais durante o ano.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Vinhos mineiros e dupla poda: qualidade e reconhecimento

(Por Arnaldo Silva) Segundo dados do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), dos cerca de 100 produtores de vinhos no Brasil, 25 são de Minas Gerais. Boa parte das vinícolas mineiras produzem vinhos finos, de qualidade, equivalente aos vinhos produzidos nos países tradicionais, na produção desta bebida milenar, como França, Portugal, Inglaterra, Itália, Bélgica, Alemanha, etc.
          Prova do crescimento e qualidade dos vinhos produzidos em Minas Gerais, são as recentes premiações dos vinhos produzidos na região da Serra da Mantiqueira, em concurso nacionais e internacionais como no Decantar World Wine Awards (DWWA), maior concurso mundial de vinhos.(fotografia acima: Arquivo Epamig/Divulgação)
          As premiações internacionais conquistadas pelos vinhos brasileiros são positivas, porque desperta o interesse do brasileiro pela bebida nacional, bem como incentiva os produtores a investirem na ampliação da produção e buscando cada vez mais excelência na qualidade.
          Os vinhos e espumantes brasileiros estão pouco presentes nos bares e restaurantes brasileiros, que preferem os importados, mas aos poucos, nossos vinhos vem rompendo essas barreiras, de preconceito com o produto nacional, graças a investimentos e cada vez mais, melhorando a qualidade da bebida.
          Como resultado, são seguidas premiações no exterior, principalmente, os vinhos produzidos com a técnica da dupla poda, da empresa mineira, Epamig, a grande responsável pela considerável melhora na qualidade dos vinhos mineiros e do Sudeste brasileiro nas últimas décadas. (na foto acima de Erasmo Pereira/Epamig, a adega da empresa em Caldas, no Sul de Minas)
           As premiações internacionais conquistadas pelos vinhos brasileiros são positivas, porque desperta o interesse do brasileiro pela bebida nacional, bem como incentiva os produtores a investirem na ampliação da produção e buscando cada vez mais excelência na qualidade. 
          As premiações internacionais conquistadas pelos vinhos brasileiros são positivas, porque desperta o interesse do brasileiro pela bebida nacional, bem como incentiva os produtores a investirem na ampliação da produção e buscando cada vez mais excelência na qualidade.
A técnica da dupla poda
 
          A melhora na produção e qualidade dos vinhos finos no Sudeste só foi possível graças a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), quando da criação do Núcleo Tecnológico de Uva e Vinho da EPAMIG, em Caldas MG, Sul de Minas, há cerca de 20 anos. (na foto acima de Erasmo Pereira - Epamig/Divulgação)
 
          O homem do campo, no mundo inteiro, sabe que dependendo da época da poda, a planta irá produzir em determinada data. Os pesquisadores da Epamig aprimoraram esse conhecimento antigo, com anos de estudos, permitindo a produção de frutos com maior qualidade, o que permite, melhoras significativas na produção final oriunda das frutas, no caso, os vinhos finos de inverno. (na foto acima, videiras da Epamig no núcleo da empresa em Caldas MG e abaixo, uvas já em ponto de colheita. Fotos: Epamig/Divulgação)    
           Sem poda não há uva, por isso as podas nas videiras, são necessárias. Com a poda sendo feita anualmente, tradicionalmente feita no fim da primavera, para que os frutos se desenvolvam e possam ser colhidos no verão, em janeiro. Uma época de intenso calor e chuvas fortes o que permite a proliferação de pragas, o que leva os produtores a um intenso trabalho de controle de suas videiras. (Foto abaixo em Caldas MG - Epamig/Divulgação)
          Para fugir dos efeitos no verão e pragas nos parreirais, foi criado a técnica da dupla poda. No caso, a técnica desenvolvida em Minas, permite a poda duas vezes. A dupla poda nada mais é do que a inversão do ciclo produtivo das uvas, ou seja, ao invés da poda tradicional no fim da primavera, faz-se a poda para a formação dos ramos, no inverno, com a colheita dos frutos sendo feita em agosto. As uvas da primeira colheita, são as usadas na produção dos vinhos de inverno em Minas Gerais. Essa técnica permite ainda uma segunda poda, a tradicional, no fim do ano, com a colheita dos frutos, em janeiro. (na foto abaixo, a vinícola da Epamig em Caldas MG. Foto: Ascom/Epamig)
          A Epamig, que é vinculada à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (SEAPA), desenvolveu e implantou em Caldas MG, o método da dupla poda, desenvolvido no Brasil pelo pesquisador da Epamig, Murillo de Albuquerque Regina, Coordenador do Programa Estadual de Pesquisa em Vitivinicultura da Epamig. Essa técnica, faz com que a uvas sejam mais sadias, tenham maturação plena, mais concentração de cor e mais aroma. Resultado, é uma nítida melhora na qualidade dos vinhos. (abaixo, a sede da Estação Experimental da Epamig em Caldas MG. Foto: Erasmo Pereira/Ascom/Epamig)
          O sucesso da técnica da dupla poda vem da qualidade do solo, clima e investimentos dos produtores, bem como a assistência da Epamig, com pesquisas, orientações e apoio aos produtores, o que vem tornando Minas Gerais, especialmente o Sul de Minas, num dos maiores produtores de vinhos finos de qualidade, no país. A técnica desenvolvida pela Epamig, não só beneficia os produtores mineiros, mas os produtores de vinhos de toda a região Sudeste do Brasil.
          Atualmente, são cerca de 600 hectares de vinhedos no Brasil, que usam a técnica da dupla poda. A técnica, está presente na região do Cerrado, Nordeste brasileiro e em sua maioria, no Sudeste, na Mantiqueira. 
          A produção anual, dos vinhedos é cerca de 4 mil toneladas de uvas e são produzidos, cerca de 2,5 toneladas de litros de vinhos, por ano. A técnica da dupla poda, ajuda no aumento da produção de uvas e vinhos, gera empregos e injeta na economia, cerca de 120 milhões por ano.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O Presépio do Pipiripau

(Por Arnaldo Silva) Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1984, o Presépio do Pipiripau, é um dos mais belos patrimônios de Minas Gerais. A obra reflete uma das mais tradicionais manifestações religiosas do povo mineiro: a montagem de presépios entre o natal e o dia de Santos Reis, em 6 de janeiro. 
          O presépio começou a ser construído a partir de 1906, por Raimundo Machado de Azevedo, quando ele tinha apenas 12 anos. Sua família vivia na Colônia Américo Werneck, numa região com o nome de Pipiripau, atualmente o bairro do Instituto Agronômico de Belo Horizonte. (fotografia acima de Eliane Torino)
          A família de Raimundo era muito religiosa e um de seus prazeres, era observar os presépios que as famílias montavam no fim de ano. Eram peças simples, sem movimento, mas tudo feito com muito carinho e fé. Inspirando-se nos presépios que via, Raimundo decidiu fazer seu próprio presépio.
          A vida naquela época não era fácil e a família era muito pobre, mas isso não foi empecilho para a realização de seu objetivo. Aos poucos, Raimundo, foi colecionando peças e conseguiu, em 1922, fazer um curso de formas de gesso, com um escultor português, que conheceu na empresa em que estava trabalhando, a Gravatá.
          A partir dai começou a fazer mais peças, além de criar os personagens bíblicos e a encenação da vida de Jesus, inseriu o cotidiano da vida do povo mineiro em seu presépio, em peças que se movem. Para a época, era algo diferente, uma inovação.
          A história do presépio que se movia, começou a se popularizar e todos sabiam que ficava na região do Pipiripau, onde Raimundo morava. Todos da capital e região metropolitana iam até o Pipiripau, conhecer o presépio, que passou a ser chamado pelo povo de Presépio do Pipiripau. Assim se popularizou o nome do presépio criado pelo Raimundo.
           O presépio retrata as 45 cenas da vida de Jesus Cristo, desde seu nascimento, até seu sofrimento na cruz. São 580 peças que forma todo o conjunto da magnífica obra, que retrata ainda, em movimento, o cotidiano da vida no interior mineiro.
          Raimundo passou anos montando e cuidando do seu presépio e sem querer, acabou por criar uma das mais magníficas obras da cultura popular mineira.
          O Presépio do Pipiripau encontra-se desde 1976, no Museu de História Natural da UFMG. Em 2012 o presépio começou a ser restaurado, bem como as instalações do local, concluindo toda a obra de restauro das peças e das instalações onde encontra-se o presépio, em 2017. 
          O Museu do Pipiripau é aberto à visitação todos os dias com cessões das 10h às 12hs e das 13h às 17hs; sábados e domingos das 10h às 17hs, (fotografia acima de Eliane Torino) localizado na Rua Gustavo da Silveira, 1.035, Bairro Santa Inês, em Belo Horizonte. Cobra-se ingresso. Verifique os valores e condições para visitas pelo telefone: (31) 3409-7650.

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