A história da criação dos pratos da culinária, não só mineira, mas brasileira, não foi tão simples assim não. Num país recém-descoberto e ainda em povoamento, portanto, sem uma base alimentar existente, conseguir comida era difícil e os primeiros pratos surgiram por necessidade mesmo. (Imagem acima feita por Felipe Oliveira/@paulistaniatradicional, usando a técnica da IA, mostra momento da refeição de tropeiros nos séulo XIX)
A vida era difícil até para comer. Não existiam talheres e nem pratos. Garfos, facas, colheres, pratos e panelas de ferro fundido, eram artigos de luxo, presentes apenas nos palácios das nobrezas europeias e nos imponentes casarões e palacetes da nobreza brasileira, em formação.
Em Minas Gerais chegou pelas mãos dos portugueses que vieram para cá atraídos pelo ouro. Mas o uso de talheres e pratos ficava restrito à fidalguia já que eram importados de Portugal e eram caríssimos, inacessíveis à maioria do povo.
Caldeirões e panelas de ferros eram levados pelos tropeiros, mas eram utensílios trazidos de Portugal, por não existir à época fundição de ferro no Brasil, tendo surgido tal ofício apenas no século XIX. A maioria da população usava como pratos as cuias de cuité e cabaças, colheres rústicas de madeira e panelas feitas com barro ou pedra sabão.(o artista plástico Rui de Paula retrata em sua tela a chegada de tropeiros em Ouro Preto MG)
Naquela época, o problema não era só fazer a comida, e sim como comê-la. Como não tinham talheres e a maioria sequer sabia o que era uma colher ou garfo, comiam era com as mãos mesmo. Nem precisa dizer que as noções de higiene e asseio nos tempos antigos eram mínimas.
Comer com as mãos era comum no mundo todo àquela época. Para comer alimentos líquidos, como mingau de milho verde ou caldos, usavam cavacos, os pedaços de cuias de cuité que serviam de colher. Simplesmente quebravam as cuités, retiravam as pontas e pronto, usavam como colher, por isso o nome, cavacos.
Por comerem com as mãos, os alimentos que surgiam visavam facilitar a vida dos tropeiros, viajantes e demais pessoas. Detalhe que a comida mineira em sua origem não tinha sal. Isso porque o sal era um produto difícil de chegar aos rincões do nosso sertão, porque vinha do litoral, em lombos de burros, com prioridade para abastecimento da nobreza e portugueses ricos. Somente a partir de 1710, com a descoberta de ouro em Minas Gerais e a chegada maciça de portugueses, que o sal passou chegar com mais frequência e em maiores quantidades.
Um dos pratos apreciados naqueles tempos era o Feijão Tropeiro, já que era fácil de comer com as mãos. Quando descobriram que da mandioca ralada saia uma farinha ótima, aumentou a opção de comida mais fácil, misturando a essa farinha carnes desfiadas, ovos fritos, rapadura, queijo, couve, linguiças, etc. Assim surgiu a nossa famosa farofa.
Da farinha de milho surgiu o nosso famoso fubá suado com queijo ou carne de sol desfiada. Era fácil pegar um punhado com as mãos e levar à boca.
Bolos, biscoitos e bolinhos também, bem como milho, mandioca e batata assados na brasa. Quando se comia doces cremosos, por exemplo, usavam cascas de frutas como da goiaba, lascas de rapadura ou pedaços de queijo para pegá-los, que serviam mais ou menos como colher. Desse hábito surgiram boas combinações, hoje tradicionais em nossa mesa, como o queijo com a goiabada e com doce de leite.
Outro detalhe para facilitar a vida na hora de comer com as mãos naqueles tempos, era o corte nos produtos. Quando no lugar existia faca, os cortes das carnes e verduras, por exemplo, eram bem grandes, nada de picadinho. (mais ou menos como na foto acima da Regina´s Farm/Fazendinha da Regina)
Quando não tinha faca para cortar, eram cozidos ou assados por inteiro. Quando prontos, picavam a carne com as mãos mesmo.
Tudo isso para facilitar pegar os alimentos com as mãos.
As origens dos principais pratos da nossa culinária foram nas cidades que tiveram maior presença dos portugueses, aventureiros, bandeirantes e africanos. Cidades como Ouro Preto, Serro, Santa Bárbara, Catas Altas, Mariana, Sabará, Santa Luzia, Diamantina, Pitangui, dentre outras tantas que receberam grande número de europeus, bandeirantes, africanos, juntando com os indígenas, que já viviam em nosso território.
Foram estes povos que deram início a formação de nossa rica culinária, cultura e arquitetura. Deixaram receitas e conhecimentos que permanecem em nossas mesas há mais de 300 anos.
Deu para perceber que comer naqueles tempos não era nada fácil. Nem imagina como era a vida dos tropeiros pelos rincões de Minas. Com o crescimento populacional, foram surgindo povoados, cidades e lugares para os tropeiros e viajantes comerem, descansarem e alimentarem seus animais. Encontrar lugar para comer era difícil, mas existia. Esses lugares chamavam-se Casa de Pasto, Parada de Pouso e também Rancho de Tropeiros.
Os tropeiros, viajantes ou mesmo quem morasse nas redondezas podiam entrar, pernoitar e se alimentar. Seria hoje como se fosse uma parada que encontramos em beiras de estradas. Nas casas de pasto deixavam os animais para tomar água e descansar, enquanto comiam e bebiam nas tabernas da localidade. (o artista plástico Rui de Paula retrata em sua tela a chegada de tropeiros em uma de suas paradas, em Ipoema, distrito de Itabira MG)
Nas grandes cidades da época como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador e Ouro Preto, existiam pequenas confeitarias e casas de pastos. Eram bem poucas, mas existiam. Passaram a crescer em número, a partir de meados do século XIX quando começaram a servir refeições em pratos esmaltados, com garfo e colher. Foi uma novidade na época. Uma curiosidade geral que atraiu atenção de todos que viviam nas cidades. Queriam saber como era comer num prato com garfo e colher.
Nessas casas tinha-se a opção de comer em pratos com colher e em pratos com garfo. Isso dependia do prato. Por exemplo, se fosse um frango ao molho pardo ou com quiabo, melhor era comer com colher. Mas se o prato fosse carne na lata com batata ou mandioca, era mais prático o garfo. Os pratos podiam ser acompanhados de cachaça ou licores.
No século XIX começaram a surgir pequenas indústrias de fundição no Brasil, que faziam talheres, panelas de ferro, facas, pratos esmaltados e outros utensílios, popularizando no século seguinte, entre todas as camadas da sociedade, bem como uma melhor noção de asseio e higiene que começou a ser mais difundido no país a partir de 1870. Conheça agora algumas receitas que por serem secas e fácies de pegar com as mãos, eram as preferidas.