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quinta-feira, 12 de março de 2020

O Santuário de Nossa Senhora das Graças em Urucânia

(Por Arnaldo Silva) Urucânia é uma charmosa cidade, fazendo parte do Circuito Montanhas e Fé, na Zona da Mata Mineira. Com pouco mais de 10 mil habitantes, está distante 256 km de Belo Horizonte e faz divisa com os municípios de Piedade de Ponte Nova, Jequeri, Santo Antônio do Grama, Rio Casca, Santa Cruz do Escalvado e Oratórios. Seus moradores vivem do pequeno comércio, turismo religioso e da produção agropecuária, em destaque para suinocultura e a produção de açúcar. (foto abaixo de Pedro Henrique)
          A história da cidade se formou pela fé, hospitalidade e simplicidade de seu povo. As manifestações religiosas são marcantes na cidade, manifestada principalmente na devoção a Nossa Senhora das Graças.
          Emancipada apenas em 30 de dezembro de 1962, sua história bem antes, em meados do século XIX com o surgimento de um povoado com o nome de urucu. O nome é devido à planta urucum, muito abundante na região, mas naquela época, a grafia era sem o m no final. Por volta de 1869 foi erguida na região uma capela, dedicada a Nossa Senhora do Bom Sucesso do Urucu e uma casa, para receber um padre que viria para a localidade. A construção foi feita no terreno doado por Francisca Inácia da Incarnação, senhora bondosa, protetora dos escravos, colonos e muito religiosa. Na mesma época, foi construído um cemitério, onde está hoje a atual Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso. (na foto abaixo de Elpídio Justino de Andrade)
          No início do século XX, deu-se início na região de um extensivo e crescente cultivo da cana de açúcar para abastecer as açucareiras que surgiam na região, extinguindo boa parte da planta que originou o nome do povoado. Em 1924, o local mudou o nome para Urucânia. Segundo o dicionário, o nome “Urucânia” tem origem no Tupi-Guarani, “urucu” (ou urucum), que significa, o “vermelho”.
          Urucânia é uma cidade muito conhecida, não pela planta urucum e sim pelo Padre Antônio Ribeiro Pinto, filho de escrava, nascido em 2 de abril de 1879 em Rio Piracicaba MG, na vigência da Lei do Ventre Livre e faleceu em 22 de Julho de 1963, em Ponte Nova MG, aos 84 anos. Padre Antônio chegou a Urucânia em 1946 para assumir a Paróquia da cidade. O padre conquistou o coração dos fiéis, tendo alterado definitivamente a trajetória de Urucânia, que passou a ser lembrada como última morada do sacerdote. Tanto é que a data de sua morte, 22 de julho, é feriado municipal. Na cidade, foi criado ainda o Museu Padre Antônio Pinto, com objetos e a história da vida do sacerdote. Isso porque o padre, para a comunidade, é um santo que em vida fez milagres e mesmo depois de morto, ainda faz. Os relatos dos milagres do Padre Antônio podem ser conhecidos na Casa dos Milagres, onde os fiéis deixam escritos, as graças alcançadas por intermédio do Padre Antônio.
          Foi por intermédio do Padre Antônio que a devoção a Nossa Senhora das Graças chegou ao município. Mas o sacerdote sentia a necessidade de construir um Santuário dedicado à santa que devotava, Nossa Senhora das Graças. 

          Com autorização dada pela Arquidiocese de Mariana, na década de 1950 foi dada o início das obras, sendo o Santuário concluído na década de 1970. Como faleceu em 1963, não pôde ver o seu sonho concretizado, mas foi ele quem abençoou o terreno onde seria construído o Santuário, bem como a majestosa e imponente imagem de Nossa Senhora das Graças, vinda do Rio de Janeiro, doada à comunidade em 1961 por Beatriz Monteiro de Carvalho, com obra do artista plástico português, Joaquim de Souza e Silva. 
          A construção encontra-se próxima a Matriz, na área central da cidade, com fácil acesso e boa acessibilidade. (foto acima de Elpídio Justino de Andrade)
          O mirante, a estátua do Cristo e o Santuário são os principais atrativos da cidade. Dentro do Santuário, está o túmulo do Padre Antônio e no altar, uma imagem de Nossa Senhora das Graças.
          A devoção a Nossa Senhora das Graças e os milagres atribuídos ao Padre Antônio, atraem todos os anos, milhares de pessoas a Urucânia. A movimentação de fiéis é maior no dia de aniversário de morte do Padre Antônio, 22 de julho e no dia de Nossa Senhora das Graças, 27 de novembro.

Primeira hidrelétrica do Brasil foi construída em Minas

(Por Arnaldo Silva) Segundo pesquisas e estudos do Centro de Ciência da Universidade Federal de Juiz de Fora, a usina de Marmelos, sediada em Juiz de Fora, foi a primeira usina hidrelétrica do Brasil e da América Latina. 
          Foram pesquisadas e estudadas a origem e história de todas as usinas existentes naquela época e, inclusive a do Ribeirão do Inferno, em Diamantina, que foi construída para gerar energia restrita a mineração de diamantes de um local específico, 5 anos antes da inauguração da Usina de Marmelos e de outras localidades brasileiras. 
          Isso porque na época existiam pequenas usinas setoriais no Brasil, gerando energia apenas para um determinado fim. Usina hidrelétrica, com geração de energia em turbinas, para o coletivo comunitário, foi a de Marmelos. 
             Após os estudos e análises, chegaram à conclusão de que a Usina de Marmelos em Juiz de Fora, foi a primeira usina hidrelétrica de Minas Gerais, do Brasil e da América Latina, reconhecida pelo Ministério das Minas e Energia, Cemig e tombada pelo tombado pelo Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Juiz de Fora, em 1983, tendo sido transformada em Espaço Cultural e Museu. Em 2005, a Usina de Marmelos foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). (foto acima e abaixo: arquivo da Cemig/Divulgação)
História
          Os avanços tecnológicos no mundo começaram a se difundir a partir da Revolução Industrial na Inglaterra, embora na América Latina em especial, no Brasil, tais avanços demoravam a chegar e quando chegavam, demorava muito para se disseminada pelo país, devido à desconfiança dos fazendeiros e industriais da época com as novas tecnologias. A única exceção foi a energia elétrica, que teve disseminação rápida no Brasil, graças a visão de dois homens: o mineiro Bernardo Mascarenhas e Dom Pedro II, que regeu o Brasil de 1840 a 1889.
          Dom Pedro II buscou ampliar a malha ferroviária brasileira, na época, começando a surgir no Brasil, construindo trilhos, pontes e estações, ligando cidades e estados. A primeira ferrovia brasileira foi fundada por Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Inaugurada em 1854, sua extensão era de 14,5 km e ligava Porto de Mauá a Fragoso, no Rio de Janeiro. 
          Foi através de Dom Pedro II que foi instalado no país, um cabo telegráfico, lingando o Brasil à Europa, ficando com isso mais fácil saber das novidades tecnológicas daqueles tempos. Quando soube da invenção da lâmpada elétrica incandescente por Thomas Edison, mandou instalar a novidade, inicialmente nas estações ferroviárias fluminenses, em 1872. (na foto acima da Josiane Astério, antiga Sede da Companhia Mineira de Eletricidade construída em 1890. Foi a distribuidora de energia elétrica produzida pela usina de Marmelos)
          O monarca era grande incentivador de novas descobertas. Uma de suas grandes contribuições para o desenvolvimento do Brasil foi a introdução no Brasil da eletricidade, ato de grande importância, que avançou rapidamente no Brasil.
          Numa economia agrária, com vistas ao desenvolvimento, a energia elétrica era de grande importância, inclusive para a agricultura, onde predominava a cultura do café e a iniciante mineração. Com a eletricidade, foi possível desenvolver no Brasil a indústria têxtil, metalúrgica e siderúrgica, por exemplos. 
          Um dos grandes entusiastas da energia elétrica no país foi o industrial mineiro do setor têxtil, Bernardo Mascarenhas, cujo nome foi dado à usina posteriormente, em sua homenagem. A iniciativa partiu desse industrial que conheceu a novidade quando esteve em Paris, na Exposição Universal, em 1878, onde conheceu as novidades tecnológicas e industriais da época, se convencendo do quanto às novas tecnologias melhoravam o desempenho da produção industrial, principalmente, as usinas hidrelétricas, grande novidade apresentada na Exposição. 
          Voltou para o Brasil decidido a fazer com que a forças das águas brasileiras, fossem transformadas em energia elétrica. O Brasil precisava crescer e se desenvolver. A energia elétrica era o fator preponderante para esse desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida da população. O industrial enxergava isso, tanto é que retornou à Europa, com o apoio da Prefeitura, para introduzir em Juiz de Fora a energia elétrica urbana, substituindo a energia que naqueles tempos era a gás. 
          Foi criada a Companhia Mineira de Eletricidade (CME), de Juiz de Fora, que passou a fornecer energia elétrica para a iluminação para a cidade e redondezas. Por fim, a energia elétrica foi se popularizando, sendo instaladas nas residências a partir do início do século 20, substituindo os lampiões e lamparinas. A CME foi responsável pela energia elétrica de Juiz de Fora e região até 1980, quando foi incorporada pela Cemig. Bernardo Mascarenhas foi também o responsável por mostrar a importância da energia elétrica, bem como educar e retirar da população as desconfianças sobre a eficácia da nova tecnologia.
          As iniciativas do industrial mineiro teve todo apoio do Imperador Dom Pedro II. Foi o marco da saída do Brasil de uma economia rural totalmente rudimentar, para o fortalecimento da industrialização do país, ainda iniciante.
          Com esse propósito, de incentivar o desenvolvimento industrial brasileiro, através da geração de energia elétrica, foram importadas dos Estados Unidos as turbinas para a construção da primeira usina elétrica no continente Latino Americano. Assim sendo, nas águas do Rio Paraibuna, em Juiz de Fora, Zona da Mata, foi construída a primeira usina hidrelétrica do Brasil e da América Latina. 
          O Rio Paraibuna atravessa a Zona da Mata e deságua no litoral fluminense. Suas turbinas foram testadas em agosto e ligadas em definitivo em 5 de setembro de 1889, antes da queda da Monarquia e instalação da República, dando o pontapé inicial para o desenvolvimento industrial do Brasil. A iniciativa logo se expandiu, surgindo várias outras hidrelétricas na região, em São Paulo e por todo o país, tornando hoje o Brasil um dos gigantes do setor no mundo. Devido a grande demanda, a própria usina de Marmelos foi ampliada, tendo os primeiros equipamentos instalados substituídos por outros mais modernos.
          A inauguração da usina foi o marco na industrialização brasileira e os rios deixaram de ser apenas locais escoamento de esgoto urbano, pesca e lazer, para ser um dos fomentos do desenvolvimento nacional. As industriais têxteis passaram a produzir mais e a crescer, bem como foi propulsora do surgimento da metalurgia, siderurgia e outros segmentos industriais e comerciais no Brasil, além de ter contribuído para melhora na produção agropecuária brasileira, ainda bastante rudimentar naquela época.
FONTES: Ministério de Minas e Energia (MME), Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), IEPHA e CEMIG

quarta-feira, 11 de março de 2020

A beleza mágica da Serra do Cipó

(Por Arnaldo Silva) Durante o período colonial, a região da Serra do Cipó foi caminho para os bandeirantes paulistas que vieram para Minas em busca de ouro e pedras preciosas. Os bandeirantes chamaram a região inicialmente de Serra da Vacaria. 
          Já no século 17, Serra da Lapa. Esse nome durou pouco tempo, já que todos chamavam a região de Cipó por conta da Fazenda Cipó, que ficava na região. Assim permaneceu e ficou até hoje o nome Serra do Cipó. (na foto acima de Tom Alves/tomalves.com.br as Cataratas do Cipó ou Cachoeira Grande, em dias de normais e abaixo, em dias após chuvas intensas)
     Naquela época, foi construída pelos escravos uma estrada com o nome de Mãe d´Água, para facilitar a passagem das tropas. Essa estrada é a que dá acesso à cachoeira “Véu da Noiva”, uma das mais belas da Serra do Cipó. (na foto abaixo de Tom Alves/tomalves.com.br, o Rio Cipó)
     Desde os primórdios de Minas Gerais, a região da Serra do Cipó sempre chamou atenção por sua impressionante riqueza natural que sempre atraiu, além de turistas, pesquisadores, não só do Brasil, mas de todo o mundo.  
    Nascentes que formam os rios Cipó e do Peixe, riachos, cachoeiras, piscinas naturais, matas nativas, fauna diversificada e sua flora, impressionante. Essa é a Serra do Cipó. 
     Segundo dados de pesquisadores, foram catalogados 12 tipos de cactos e árvores da família das goiabeiras, diversas espécies de orquídeas nativas, além de mais de mil espécies da flora local, muitas delas ameaçadas de extinção. (na foto abaixo de Wilson Fortunato, orquídea nativa da região)
     Por sua diversidade e quantidade de plantas nativas, a Serra do Cipó é considerada o “jardim do Brasil”. Para preservar tanta riqueza, foi criado em 1975 o Parque Estadual da Serra do Cipó. Devido sua importância para o Brasil, à unidade passou a ser federal , em 1984, passando a se chamar Parque Nacional da Serra do Cipó. A unidade de conservação federal engloba os municípios de Itambé do Mato Dentro, Nova União, Morro do Pilar, Santana do Riacho e Jaboticatubas, sendo este último, com cerca de 60% de seu território compondo a área do parque, que no total é de 34 mil hectares, com um perímetro de cerca de 154 km. 
     Tanta beleza e tanta riqueza natural rendeu a Serra do Cipó o título de Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, em 1950. 
     Para os amantes da natureza, de esportes radicais ou para quem curte o convívio com a natureza, contemplando as belezas das cavernas e pinturas rupestres ou mesmo ouvindo o som das águas das cachoeiras (na foto acima de Arnaldo Quintão, a Cachoeira Serra Morena), se banhando calmamente em suas piscinas naturais de águas limpas e do convívio com a simplicidade e história das cidades que fazem parte da área do parque, a Serra do Cipó é o lugar ideal. As cidades e distritos como Cipó, Lapinha da Serra, Fechados, são pitorescos, charmosos, ricos em cultura, tradição, culinária, e claro, belezas naturais impactantes. A Serra do Cipó fica apenas 90 km de Belo Horizonte, seguindo pela MG 010. 
     É uma das regiões mineiras mais procuradas por turistas, tanto de Minas, quanto de todo o Brasil. (na foto acima de Tom Alves/tomalves.com.br o Rio Cipó e abaixo o Vale do Travessão) 
     Com o objetivo de promover a integração entre os municípios que compõem a área do parque e outros em seu entorno, bem como incrementar o turismo nesses municípios, foi criado em 2002 o Circuito Serra do Cipó, abrangendo os municípios de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Itambé do Mato Dentro, Jaboticatubas, Morro do Pilar, Santana do Riacho e Santa Maria de Itabira. São cidades com excelentes opções de hospedagens e gastronomia diversificada, além serem turísticas, possuírem atrativos históricos e arquitetônicos dos tempos do Brasil Colonial.
     Palco de uma natureza encantadora e exuberante, a Serra do Cipó possui como principais atrativos, diversas cachoeiras, piscinas naturais, grutas e cavernas, pinturas rupestres, além de locais para prática de esportes radicais.
Atrativos na Serra do Cipó
     O que mais atrai turistas na Serra do Cipó são as cachoeiras, destacando a Cachoeira Grande, Cachoeira da Farofa, Cânion dos Confins, Cachoeira do Tomé, Cachoeira de Baixo, Cachoeira do Gavião, Cachoeira de Braúna, Cachoeira do Riachinho, Cachoeira da Capivara e Cachoeira das Andorinhas.
     Além das cachoeiras, as estátuas em homenagem ao folclórico Juquinha, que subia a serra para coletar flores e trocar por comida e objetos é outro atrativo. Figura simples, simpática, sorridente, muito querida, com sua vida e história imortalizada na mente dos moradores da região, bem como em estátuas, tanto na Serra (na foto abaixo de Raul Moura), quando na entrada de Santana do Riacho. 
     Para os apaixonados por trilhas, na Serra do Cipó tem as trilhas do Juquinha, Trilha dos Escravos, Pico da Lapinha, Cachoeira Véu da Noiva e Morro da Pedreira, todas sinalizadas. O trilheiro pode ainda dar uma parada pelo caminho para praticar esportes de aventura, como escalada, rapel e canoagem
     A culinária e o artesanato da região são atrativos imperdíveis. Artesanato rico e variado, bem como a gastronomia. Vinho de jabuticaba, cachaça, queijos, doces e claro, os mais tradicionais pratos típicos da cozinha de Minas. Além de curtir as belezas da Serra do Cipó, o charme e beleza da arquitetura das cidades, o visitante não deve mesmo deixar de conhecer o artesanato e provar da culinária local.

terça-feira, 10 de março de 2020

Superstições, benzeduras, benzedeiras e benzeções

(Por Arnaldo Silva) A geração que teve infância no século passado, guarda nas lembranças as superstições e benzeções comuns naqueles tempos. Nos rincões de nosso interior, o acesso a saneamento, eletricidade, saúde pública e educação era bastante difícil. As famílias se formavam e colocavam em prática os ensinamentos passados de geração em geração, em sua maioria, voltada para superstições. 
          Eram religiosos, professavam a religião Católica em sua maioria. Buscavam praticar sua fé, mesmo na ausência da igreja, já que nas comunidades rurais, onde vivia a maioria da população naqueles tempos, a presença de padres era muito pouca. As comunidades se reuniam por conta própria, às vezes construíam pequenas capelas na comunidade e faziam a tradicional reza do terço, seja nas capelas ou nas casas dos moradores. Tudo com a maior simplicidade e boa fé possível. 
          A vida isolada no sertão e o pouco conhecimento que tinham, geravam superstições, muitas delas vindas com os portugueses e africanos que para cá vieram. As vidas das pessoas naqueles tempos eram cercadas de crendices e superstições, desde o nascimento, até a fase adulta. 
          Quando a criança adoecia, a dificuldade de encontrar médico e hospitais era enorme, por isso a figura das benzedeiras era importante. Toda comunidade tinha, pelo menos uma. Eram muitas, mas muitas mesmo. Eram mulheres simples, de bom coração, boas intenções e muito respeitada por todos. Eram mulheres de fé, que simplesmente faziam sinal da cruz, usando alguma erva, rezavam as tradicionais orações católicas e faziam as benzeções, recitando versos e fazendo o sinal da cruz. Eram mulheres comuns, bondosas, caridosas, que nunca falavam que tinha poderes sobrenaturais, apenas acreditavam ter fé e que pela fé as maldições eram afastadas da casa e da vida das pessoas, bem como acreditavam que a fé curava. (na foto acima, de Tiago Geisler, Dona Maria Tereza, uma das mais queridas benzedeiras do Serro MG)
          Você vai conhecer comigo, as principais superstições tanto com recém-nascidos, que eram muitas, como as benzeduras e superstições normais, que até hoje ainda existem.
          Relembrará porque com o desenvolvimento social, a população passou a ter mais acesso a educação, saneamento básico, hospitais e postos de saúde, além de terem opções maiores de conhecimento, com a internet, as benzedeiras e superstições quase não existem mais. Esses fatores afastaram a procura pelas benzedeiras e reduziu em muitos as superstições antigas, embora exista muita gente supersticiosa e benzedeiros e benzedeiras por nosso interior. Por isso vamos relembrar.
          Numa época que quase não existia médicos e nem hospitais para atender toda a população, principalmente a rural, os partos eram feitos em casa mesmo, por parteiras. Tudo que era retirado na hora do parto, como umbigo, eram entregues aos pais para que providenciassem o que fazer. Geralmente eram enterrados nos quintais das casas, baseado na crença religiosa de que do pó nascemos e ao pó voltaremos.
          Quando o umbigo do bebê caia, tinha que ser enterrado rapidinho. Ai é que entra a superstição. Não podia de jeito nenhum ser guardado como lembrança porque quem o fizesse, nunca conseguiria viajar ou mudar de cidade e se viajasse ou mudasse, daria tudo errado e voltava. Nem podia ser jogado fora como um lixo qualquer, porque o umbigo poderia ser comido por um rato e se acontecesse isso, o bebê seria, quando adulto, um ladrão.
          Alguns enterravam o umbigo junto a uma roseira, porque assim a criança nascia bonita, saudável e querida. Outros preferiam perto de um cocho, por acreditar que traria sorte na vida. Tinha quem enterrasse o umbigo num terreno de hospital, pois acreditavam que a criança seria médico. Quando o umbigo era enterrado numa porteira, a criança seria um fazendeiro. Junto à soleira da porta de entrada, a criança seria caseira. Se o umbigo fosse enterrado num local onde os pais gostavam, os filhos voltariam ao local depois de adultos. E nesse raciocínio, iam enterrando os umbigos, de acordo com seus motivos e objetivos para a criança.
          Além dessas crenças, havia outras superstições em relação a recém-nascidos e crianças, como por exemplo: quem escolhia o nome do filho era o pai e não a mãe, para dar sorte; beijar os pés dos bebês também dava sorte na vida.
          Se uma mulher estiver grávida e comer frutos grudados, teria gêmeos. Outra superstição interessante é sobre as marcas de nascença indesejada. Havia uma crença bem antiga de que saliva curava. Neste caso, a mãe teria que lamber bastante a marca de nascença indesejada, o tempo que for necessário, para que ela desaparecesse.
          
Essas são algumas superstições envolvendo recém-nascidos, boa parte esquecidas pelo tempo. Eu pelo menos fiquei sabendo desde criança o destino de meu umbigo. Ele foi enterrado atrás da igreja de meu bairro. O objetivo de minha mãe com isso era que eu crescesse religioso e me tornasse sacerdote. Quase fui, cheguei a me preparar para ser seminarista, mas por fim, optei por ser jornalista mesmo. (na foto abaixo de Eliane Torino, um quintal com roseiras, lugar preferido antigamente para enterrar restos dos partos)
Superstições antigas
          Eram interessantes também naqueles tempos as superstições que a gente adquiria com os nossos pais e avós, muitas das vezes enraizadas até hoje em nós. Lembro que toda vez que um chinelo virasse, tinha que desvirá-lo imediatamente, caso contrário, ia encontrar a mãe morta atrás da porta. Por via das dúvidas, ninguém deixava o chinelo virado.
          E quem nunca evitou passar debaixo de escadas hein? Dava um azar danado fazer isso. Gato preto e sexta-feira 13 era sinal de mau agouro. Se alguém falasse algo que soasse a maldição, eram três batidas na madeira. O interessante ainda era quando estávamos a pensar em uma pessoa e essa aparece em nossa frente na horinha do pensamento. A frase é a mesma: não vai morrer tão cedo.
          E quando a orelha esquentava e ficava vermelha? Dava era uma pulga atrás da orelha para saber quem estava falando mal da gente. Tinha até quem acreditava que andar com um trevo de 4 folhas na carteira ou se encontrar um, dava sorte. Mas também, quem andasse de costas estava lascado, porque dava um azar danado mesmo. Mas o maior terror mesmo era quando se quebrava um espelho. Terror porque eram sete anos de azar na vida, acreditavam. Naqueles tempos nunca uma mulher comia na panela. Era certeza que no dia do casamento, era chuva mesmo. Não dava para arriscar. Naqueles tempos, ruas asfaltadas eram raridades. Imagina chover nesse dia?
          Pior era beijar o retrato do namorado ou da namorada. Dava um azar danado e o namoro acabava rapidinho. Mas se moça não quisesse casar, era só pedir para alguém varrer seus pés. Era tiro e queda. A mulher encalhava mesmo.
          O bom mesmo era quando a mão coçava. Era dinheiro chegando. E quando chovia hein? Se havia espelhos na casa, tinha que cobrir todos. Se não fizesse isso, era raio para todo o lado dentro de casa. Acreditavam que espelhos atraiam os raios.
          E aquela visita chata? Ia embora rapidinho quando se colocava uma vassoura atrás da porta. E aquelas noites estreladas e lindas? Coitado daquele que apontasse para as estrelas. Ia ficar com o dedo cheio de verrugas. Quem quisesse ter fortuna, se proteger de espíritos e estar perto dos pais quando esses morressem, nunca devia cortar as unhas a noite.
          Quem achava que estava sendo vítima de olho gordo e mau-olhado, era só usar pimenta nos bolsos e espalhar pela casa, que estaria tudo resolvido. Se tiver medo de cobras, nem pense em assobiar à noite. Você irá atraí-las para sua casa. Pelo menos, era o que acreditavam.
          Mas a superstição que mais me assustava era misturar manga com leite. Matava mesmo, pelo menos era a crença. Tinha tanto medo que evitava chupar manga. Nunca vi alguém morrer por isso, mas falavam tanto dessa mistura que nem manga eu chupava. Por precaução mesmo.
 As principais benzeduras
          Tem tantas superstições que nem me lembro de todas, mas o interessante mesmo eram as benzeções. (na foto acima o "Seu" Alcidor, um dos mais antigos benzedores de Bom Despacho MG em atividade) Dificilmente se encontra hoje quem nunca tenha sido benzido no século passado. Eu fui, não me lembro de quê, mas fui. Benzer significa tornar bento, abençoar uma pessoa através da oração e rezas tradicionais Católicas, para que delas se afastem os males espirituais e doenças.
          As benzedeiras se aproximavam com suas ervas e Rosário nas mãos, faziam o sinal da cruz e rezavam, por fim, recitavam versos de acordo com a benzeção. Vou citar apenas algumas das principais benzeções:
Para quem sofria de quebrando a reza era essa:
Deus te remiu, Deus te criou, Deus te livre
De quem para ti mal olhou.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
Virgem do Pranto,
Tirai este quebranto.

Dizer a oração 3 vezes.
          Já para o mau-olhado as benzedeiras pegavam um copo com água e colocavam algumas gotas de azeite na água e dois pauzinhos em forma de cruz. Se o azeite espalhasse, era mesmo mau-olhado e com o Rosário nas mãos, rezavam:
- Jesus que é o Santo nome de Jesus, onde está o santo nome de Jesus não entra mal nenhum.
Eu te benzo criatura do olhado se for na cabeça a Senhora da cabeça e se for na cara a Senhora de Santa Clara e se for nos braços o Senhor de S. Marcos e se for nas costas as Senhoras das Verônicas e se for no corpo o meu senhor Jesus Cristo que tem o poder todo.
Santa Ana pariu a Virgem, meu Senhor Jesus e assim com isto é verdade assim este olhado daqui tirado para as ondas do mar, seja lançado para onde não ouça galos nem galinhas cantar, em louvor de Deus e da Virgem Maria, padre nosso e avém Maria.
Em seguida, a benzedeira rezava uma Salve Rainha nove vezes.
          Para dores na cabeça, começavam fazendo o sinal da cruz e dizia:
- Pelo sinal da Santa Cruz, livre-nos Deus Nosso Senhor dos nossos inimigos, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém. ( nome da pessoa), eu te benzo da dor de cabeça que tens ou dos maus olhos que para ti olharam, ou vento ou sol, ou o mau tempo que por ti passou. Diz-se três ou cinco vezes.
          Para quem estivesse com o nervo torcido a benzedeira recitava:
- Jesus que é o Santo nome de Jesus, onde está o Santo nome de Jesus não entra mal nenhum.
A pessoa que vai coser pega numa agulha e num novelo de linha e diz:
Eu coso. E quem está padecendo responde:
Carne quebrada nervo torto.
Cosa a Virgem melhor do que eu coso, a virgem cose pelo são e eu coso pelo vão. Em louvor de Deus e da Virgem Maria, Padre Nosso e Avém Maria
          Depois de se fazer esta benzedura, molha-se os dedos no azeite e esfrega-se a parte dorida. Reza-se um Pai Nosso e uma Ave Maria, a Santo Amaro, advogado de pernas e braços e oferece-se ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Repetia-se por 9 vezes.
          Espinhela caída, aquela dor no estômago, costas e pernas e muito comum naqueles tempos. A benzedeira recitava por 9 vezes essa oração:
- Jesus que é o Santo nome de Jesus, onde está o Santo nome de Jesus não entra mal nenhum.
Quando a Nossa Senhora pelo mundo andava, chegou à casa de um homem manso e de uma mulher brava, pedindo-lhes pousada.
O homem dava e a mulher não.
Onde Nossa Senhora se foi deitar, água por baixo e água por cima; com estas mesmas palavras, cura a dor de barriga, em louvor de Deus e da Virgem Maria.

          Por fim, rezava um Pai Nosso e uma Ave Maria.
          Para curar dor de cabeça e de ouvidos, a benzedeira fazia o sinal da cruz, colocava as mãos com o terço na cabeça da pessoa e rezava assim:
- Jesus que é o Santo nome de Jesus, onde está o Santo nome de Jesus não entra mal nenhum. (nome da pessoa a benzer), eu te benzo do mal e de ar maldito, quem te trouxe, e de ar frio e de ar quente. (Pega-se numa faca) Com esta faca te lançarei, pernadas do ar cortarei e daqui para fora te deitarei e com o poder de Deus e da Virgem Maria, um Pai nosso e uma Avém Maria.
Repete-se nove vezes a Benzedura e benze-se novamente a pessoa, com as mãos e o Rosário sobre a cabeça da pessoa a ser benzida, recitando: Nossa Senhora que leve o mal que a pessoa tem para o outro lado do mar, onde não ouça galo nem galinha cantar e nem mãe por filho chamar e Nossa Senhora dê as melhoras. Amém.
          Para se livrar da tentação do mal, as benzedeiras rezavam essa reza as terças e sextas-feiras, até que a tentação se afastasse: 
- Em louvor do Santíssimo Sacramento do Altar, a minha casa vou benzer e defumar, e que todos os males existentes na mesma, que vão para casa de quem nos desejar (repetia-se a última expressão três vezes). Enquanto se faz a repetição, bate-se com o pé esquerdo três vezes. No final reza-se um Pai-Nosso.
          Tem mais rezas, benzeções e superstições, mas que eu me lembre, essas são as principais.

segunda-feira, 9 de março de 2020

O artesanato com flores de sempre-vivas de Diamantina

(Por Arnaldo Silva) A coleta e comercialização de Sempre-vivas em Diamantina-Minas Gerais iniciaram-se por volta de 1930. Desde o início, esta atividade esteve associada à subsistência dos moradores de pequenos distritos e povoados da região, que tinham no garimpo sua principal fonte de renda.
              Das flores são feitos objetos religiosos , decorativos como abajur, buquê, enfeites de natal e arranjos diversos. Essa arte e incentivo aos cuidados com a sempre-viva são desenvolvidos pela Associação de Artesãos Sempre Viva, de Galheiros, distritos de Diamantina. A entidade é composta em sua maioria por mulheres. (fotografia acima de Giselle Oliveira)
          Nos anos 1990 os artesãos perceberam que a forma de manuseio e coletas das flores não era o correto e buscaram formas de melhor o manejo e expansão da arte local. O objetivo era aumentar a renda dos artesãos e coletores de flores, bem como preservar as várias espécies de sempre-vivas da exploração predatória e da maneira errada como era feita colheita, o que poderia levar as espécies à extinção.
          O projeto deslanchou a partir de 1998, com o apoio de uma Organização Não Governamental (Ong) de Belo Horizonte, que colaborou na orientação da colheita de forma sustentável, com manejo correto e mostrando aos coletores de flores e artesãos que com consciência e conhecimento sobre manejo e preservação, evita-se a destruição das espécies e consequentemente, preserva as sempre-vivas, mantendo assim a matéria prima para seus trabalhos artesanais. (fotografia acima e abaixo de Elvira Nascimento)
          A utilização das Sempre-vivas com fins ornamentais é antiga, porém o aumento na sua comercialização e exportação ocorreu a partir dos anos 70 devido à diminuição de recursos econômicos como pedras preciosas e semipreciosas, que levou o extrativismo vegetal a se tornar a principal fonte de renda em muitas comunidades.
          Quem vem à Diamantina fica fascinado com a beleza do artesanato feito com as flores sempre-viva, uma planta de nosso Cerrado, abundante na região do Jequitinhonha.
          O artesanato com sempre-vivas é uma das atividades mais antigas da região, desde 1930, como alternativa à diminuição da extração das pedras preciosas. O ouro hoje de Diamantina é a sempre viva. A atividade é responsável pela subsistência de centenas de famílias da região. (na foto acima de Giselle Oliveira, uma das mais de 600 espécies diferentes de Sempre-vivas, existentes no Brasil)
            No Brasil são 630 espécies diferentes de sempre-vivas. Em Minas Gerais, boa parte das espécies está concentrada na região de Diamantina, na Serra do Espinhaço. A planta é tão importante para Minas que foi criado na região o Parque Nacional das Sempre Vivas, com objetivo de preservar e proteger as espécies. Os coletores de sempre-vivas tem trabalho o ano todo. Isso porque são várias espécies de sempre-viva e cada espécie tem sua florada em épocas diferentes do ano. Assim são coletadas flores todos os meses do ano. (na foto abaixo de Elvira Nascimento, artesã trabalhando o capim-dourado)
          O apoio da Ong, do Sebrae e da Emater MG foram o divisor de águas para os artesãos locais. Com o apoio das entidades, houve um estímulo para a venda e expansão dos produtores feitos com sempre-vivas, fazendo com que os trabalhos dos artesãos fossem comercializados também em outros estados. 
     O artesanato com sempre-vivas e capim dourado é de alta qualidade, belíssimos e atrativos e dificilmente alguém resiste a não compra-los. Por isso esse apoio foi importante e a forma organizada como passou a ser feito a colheita, a arte e as vendas. Melhorou significativamente a qualidade vida dos artesãos, com maior valorização de seus produtos e aumento significativo das vendas e de suas rendas. (foto abaixo de Giselle Oliveira)
          Desde a colheita até a arte em si é um processo que requer paciência, amor às flores e talento para a arte. As plantas são colhidas, secadas, classificadas de acordo com a espécie e qualidade. Para torna-las mais atraentes, algumas espécies são tingidas com cores diversas com o uso de corantes artificiais, como a anilina. 
          Depois de prontos, são embalados ou vão para as lojas da cidade e feiras. Não tem quem não pare nas ruas ou lojas para apreciar a beleza desse artesanato. Encanto ao primeiro olhar. 
     Outra planta que gera um artesanato maravilhoso é o capim dourado. Na verdade não se trata de um capim. É uma das espécies de Sempre-vivas, a Comanthera nitens.
          A diferença nesse artesanato é que se usa apenas o talo da planta e não sua flor, como nas outras espécies de sempre-viva. Este talo é enrolado em espiral e dependendo da criatividade e talento do artesão, são criadas diversas e impressionantes obras de arte. (fotografia abaixo de Giselle Oliveira)

          Em Diamantina, o turista tem à sua disposição nas feiras , lojas e praças públicas, o artesanato com sempre-vivas expostos. 

Coletores de flores: Patrimônio Agrícola Mundial

(Por Arnaldo Silva) Março de 2020 marcou o reconhecimento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) da importância histórica, econômica e sociocultural do sistema agrícola tradicional dos apanhadores de flores sempre-vivas de Minas Gerais passou a integrar o grupo dos  Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam), destacando as comunidades Pé de Serra e Lavras, situadas no município de Buenópolis; Vargem do Inhaí, Mata dos Crioulos e Macacos, localizadas em Diamantina e, ainda, o povoado de Raiz, em Presidente Kubitschek , na porção meridional da Serra do Espinhaço.
          Além de coletarem flores, os povos dessas comunidades exercem outras atividades agrícolas, que ajudam no complemento da renda familiar, como cultivo de roças, criação de gado e atividades agroextrativistas, como frutos e plantas medicinais. (na foto abaixo de Giselle Vieira, coletor de Sempre-vivas da Comunidade de Galheiros em Diamantina MG)
          Minas Gerais é o primeiro estado brasileiro a receber esse título de Patrimônio Agrícola Mundial pela FAO e o quarto na América Latina, tendo sido premiados antes o corredor Cuzco-Puno, no Peru, o arquipélago de Chiloé, no Chile, e o sistema de Chinampa, no México. O reconhecimento é fruto de uma luta antiga pelo reconhecimento da atividade dos coletores de sempre-vivas, que trabalham no sistema de coleta tradicional das flores, superando as adversidades ao longo da história, preservando mesmo assim suas tradições culturais e o meio ambiente. A forma de coletar flores sempre-vivas é secular e vem da disposição do sertanejo, ao longo dos séculos, em trabalhar a terra, fazê-la produzir, mesmo com as adversidades do solo e relevo. O resultado é uma paisagem diferenciada, resistente às intempéries climáticas e uma herança genética natural para a humanidade. 
          Agora, com o título dado aos Apanhadores (as) de sempre-vivas de Minas Gerais, são ao todo 59 patrimônios desse tipo em todo o mundo, sendo este, o primeiro e único do Brasil atualmente.                O processo formal para se candidatar ao título de Patrimônio Mundial da FAO começou em 2016 com a seleção dos locais feito Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Embrapa, com identificação dos municípios e comunidades rurais da região meridional da Serra do Espinhaço, onde a atividade de apanhadores de flores de sempre-vivas é secular. (fotografia de Elvira Nascimento)
          O projeto de candidatura contou ainda com apoio do Governo de Minas, prefeituras das cidades selecionadas e outros parceiros, bem como apoio técnico-científico de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Coube ao Ministério das Relações Exteriores, encaminhar os documentos e registro da candidatura à FAO, em novembro de 2019. 
          "Para solicitar a candidatura, o sistema agrícola deve ser único e atender a algumas características, como possuir uma paisagem notável e diferenciada, rica biodiversidade, segurança alimentar, modelos de gestão diferenciados com sistemas de conhecimento local e tradicional, tecnologias de produção engenhosas, identidade cultural e valores socioculturais utilizados para sua manutenção", segundo comentários feitos por Márcia Bonetti, coordenadora técnica estadual da Emater, em entrevista para a Agência Minas em março de 2019. (fotografia de Elvira Nascimento)
          Ainda segundo informações de Márcia Bonetti à agência estatal, os apanhadores desenvolveram sistemas agrícolas diversificados em variadas altitudes, que vão de 600 a 1,3 mil m, aprenderam a lidar com a paisagem e com todas as adversidades encontradas ao longo dos séculos. No topo da serra, eles soltam o gado em uma parte do ano, coletam e fazem o manejo das flores sempre-viva. Nas partes mais baixas, realizam o plantio das roças de toco e fazem uso de sementes crioulas, cultivadas ao longo de gerações. (na foto abaixo, de Elvira Nascimento, flores de sempre-vivas)
          O título conquistado pelos apanhadores de sempre-vivas aumentará os investimentos, com politicas públicas adequadas, melhorando a qualidade do trabalho, gerando mais renda e mais empregos para os trabalhadores das comunidades. (na foto abaixo de Elvira Nascimento, artesãos fazendo artesanato com as flores de sempre-vivas)
          A entrega da certificação aconteceu no dia 11/03/2020, em Brasília, com a presença de representantes dos apanhadores de flores e autoridades.        
          O sistema agrícola tradicional dos apanhadores de sempre-vivas ser Patrimônio Mundial  é uma conquista que enche de orgulho todo povo mineiro. Parabéns a todos por esse reconhecimento!
(Fonte das informações: Agência Minas, Embrapa, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Prefeitura de Diamantina e Emater)

domingo, 1 de março de 2020

Casa de Câmara e Cadeia de Mariana

(Arnaldo Silva) Com iniciativa do Senado da Câmara de Mariana, uma espécie de poder executivo e legislativo no período colonial, o prédio da Câmara e Cadeia foi projetado em 1768, tendo sua construção autorizada pela Cora Portuguesa em 1782 e concluída a obra em 1795. A Casa de Câmara e Cadeia de Mariana é uma das mais imponentes construções coloniais de Minas Gerais. Foi erguido em planta retangular em alvenaria e toda pintada a cal.          Construiu-se o prédio no local onde anteriormente ficava o quartel dos Dragões, o exército nos tempos do Brasil. Internamente o prédio foi dividido em três compartimentos, separado por arcos. O acesso à cadeia era por alçapões e apenas três celas, mas bem espaçosas. Uma destinada aos brancos, outra a presos negros e outra, às mulheres. Na parte superior, o piso foi feito em tábuas largas, dividido em três salões na frente e cinco salas ao fundo.
          Além de sede do poder local, funcionou também no sobrado uma casa de fundição e senzala. Hoje a parte onde era a cadeia e senzala é museu e a parte superior, abriga a Câmara de Vereadores de Mariana. Fica na Praça Minas Gerais, de frente para as igrejas de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Carmo e para o pelourinho, usado para castigar publicamente os escravos durante a Escravidão. (na foto acima da Ane Souz, a Praça Minas Gerais vista da cadeia)
         No século XVIII a sede do poder municipal era construída junto com a cadeia. Era de dois ou três pisos. Senzala no subsolo, cadeia publica na parte inferior e a Casa da Câmara, onde funcionava o poder político local. (na foto acima da Ane Souz, a Igreja de São Francisco vista de uma das celas da cadeia)
          Nas cidades onde existia a extração de ouro, Portugal determinava que existisse a figura do Intendente, que era a pessoa responsável pela cobrança de impostos, controle da atividade de mineração, bem como proteção das minas da Coroa Portuguesa, reger as leis locais, fazer obras na cidade, ou seja, era o responsável pela administração política e econômica do município e distritos. 
          A função de intendente no Brasil durou até 1930, quando a figura do Intendente foi substituída pela figura do prefeito.
          Sua construção seguiu os padrões da época, período nascente do Ciclo do Ouro, portanto, uma obra suntuosa, cara e rica em detalhes arquitetônicos. São seis janelões no andar superior com molduras curvas, balcões de pedra e parapeitos de ferro trabalhados. O portal de entrada é decorado, com acesso por uma escadaria, com parapeitos e corrimão feitos em pedra sabão. (fotografia acima de Ane Souz)
          Com a Independência do Brasil em 1822, o símbolo das armas de Portugal, presente no portal, foi substituído pelo brasão imperial. Sobre o telhado há uma pequena torre com sino. 
          A fachada possui elementos decorativos em pedra sabão azulados, contrastando com o branco em cal da construção. Em torno do edifício uma cornija (moldura) deu ares mais elegantes à obra.  ( foto acima de Ane Souz) 
          Nos fundos da Casa de Câmara e Cadeia (na foto acima da Ane Souz) tem a capela do Senhor dos Passos, datada de 1793, atualmente sem uso religioso. (na foto abaixo da Ane Souz, o plenário da Câmara de Vereadores de Mariana, atualmente)
          Visitando Mariana, não deixe de conhecer a Casa de Câmara e Cadeia de Mariana e os detalhes de sua construção e história.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

A história Santuário de São José em Belo Horizonte

(Por Arnaldo Silva) Sua arquitetura, tanto exterior quanto interior é belíssima, um dos marcos da capital mineira. É a Igreja de São José, elevada a Santuário em 19 de março de 2021 pelo arcebispo de Belo Horizonte Dom Walmor Oliveira de Azevedo, devido sua grande importância histórica e pelo grande número de fiéis que visitam o templo diariamente, principalmente nos fins de semana, quando o templo chega a receber entre 1500 a 5 mil fiéis. Fica bem no Centro da Capital mineira, Belo Horizonte.
          Construída pelos Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas), foi projetada pelos engenheiro Edgard Nascentes Coelho. O construtor foi o holandês Gregório Mulders e as escadarias monumentais foram projetadas e executadas pelo holandês, Verenfrido Vogels. (na foto acima de Chico do Vale, o altar da Igreja de São José)
           A construção foi iniciada em 1902 e concluída em 1910. A pintura no interior da igreja foi feita pelo artista alemão, natural de Munique, onde estudou belas-artes, Guilherme Schumacher entre 1911 e 1912. No interior da igreja, há um retrato de Shumacher. (na foto acima de César Reis, detalhes do altar da Igreja de São José)
        Muito requisitada para casamentos e permanentemente aberta para receber fiéis, que entram no tempo para rezar e sentir a paz que emana de seu silêncio é um dos mais belos templos católicos da América Latina. (na foto acima de Rogério Salgado, forro e lateral da Igreja de São José)
          A Igreja de São José não é apenas uma igreja, é uma obra de arte. Pinturas, esculturas e as imagens em seu interior impressionam. Muitas dessas imagens são enigmáticas, como a pintura de três lebres unidas por uma das orelhas, formando um triângulo. 
          A pintura enigmática pode ser vista ao entrar no templo, ao lado direito, acima do painel de José do Egito. É a única igreja no Brasil com este símbolo, que intriga padres, fiéis e estudiosos do tema, mesmo sem chegar a alguma conclusão do significado desse símbolo. Até hoje, ninguém conseguiu entender ou explicar o que o artista querida expressão com esse símbolo.
          Sua arquitetura foi inspirada no estilo arquitetônico manuelino, desenvolvido no reinado de Dom Manuel I (1495 – 1521), em Portugal. Construída em forma de cruz latina, possui 60 metros de comprimento e 19 metros de largura. A igreja vista do alto dos edifícios no seu entorno, principalmente do Edifício Acaiaca, dá a impressão que está em cima de um cálice, formado pelas escadarias e acessos laterais.
          Suas dimensões, as torres, os detalhes na pintura externa e interna, cuja decoração retrata a historia da Cristandade, é uma perfeita simbiose da arte com a fé. (fotografia de César Reis)
          A riqueza de detalhes nos templos católicos, bem como a beleza de seus vitrais, que sempre mostra cenas bíblicas era muito comum na Idade Média, devido ao grande número de analfabetos.
          Com arte, figuras e detalhes das passagens bíblicas nas paredes e vitrais, fazia com que as pessoas que não soubesse ler, entendessem um pouco da Bíblia, da vida dos santos e da história do Cristianismo. 
          A ideia dos arquitetos que projetaram a igreja era representar a grandeza da Igreja de Cristo na terra. E conseguiram. 
          O templo é de uma grandeza impressionante. Impossível, quem entrar na Igreja de São José pela primeira vez, não ficar extasiado e impactado diante de tamanha grandeza e beleza arquitetônica e artística. (fotografia de Elvira Nascimento) 
          No interior da Matriz encontra-se 28 figuras de santos e santas, de um lado os homens e do outro, as mulheres. O altar é ornamentado com a imagem de São José, o patrono da matriz, tendo no alto do arco-cruzeiro a inscrição: “Rogai por nós”. Os quatro evangelistas são retratados, Maria Mãe de Jesus e também há pinturas dos símbolos do zodíaco. 
          A Igreja de São José em Belo Horizonte é uma das grandes obras no estilo manuelino na América. Outra obra manuelina, que se destaca no mundo, é o Mosteiro dos Jerônimos em Belém, em Portugal. Cada detalhe da igreja de São José tem uma história e o povo belo-horizontino, tem sua história ligada à Igreja de São José.
          Todos os meses, milhares de pessoas passam pela Igreja para meditar, rezar, fotografar ou mesmo contemplar sua beleza. No dia de São José, 19 de março é o dia que a Igreja recebe mais fieis.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O queijo vai na mala

(Por Arnaldo Silva) Minha avó era queijeira de mão cheia, aliás, na cozinha não tinha igual. Nunca experimentei queijo tão bom quanto ela fazia e nem conheço queijo melhor que o dela. Ao lado da cozinha na fazenda, tinha uma dispensa onde fazia os queijos. Eram muitos, já que era a renda da família. A dispensa ficava abarrotada de queijos em mesas e em tábuas penduradas no teto. Na dispensa também ficava sacos de arroz, de feijão e café. A produção da fazenda. Tudo junto e misturado exalava um cheiro gostoso, delicioso, pra mim melhor que o melhor perfume do mundo. Nunca esqueço! O cheiro inconfundível e a visão daquele lugar rústico, sem iluminação, de madeira gasta pelo tempo e uso, emocionam.
          Quando chegávamos da cidade para as férias era uma festa. Nem trocávamos de roupa, íamos logo para a cozinha tomar café e comer queijo, pão de queijo, bolo. (foto acima queijo do César Reis, Queijo Meia Cura das Vertentes de Minas, em Tiradentes MG) O café estava quentinho, na chapa do fogão a lenha que sempre tinha lenha queimando. (foto abaixo de Marselha Rufino)
          Aprendi a fazer queijos com minha avó. Não só a fazer mas amar o jeito de fazer queijos. Na verdade a receita é igual para todos, o que muda na qualidade de um queijo é o amor, o jeito, a paciência, a qualidade do leite e o clima da fazenda, o ar das montanhas mineiras e o carinho ao colocar a mão na massa.
Se quer aprender a fazer queijo você precisará de:
. 10 litros de leite in natura (não pode ser pasteurizado) 
. 10 ml de coalho 
 . Sal a gosto 
Pra fazer o nosso queijo é assim: 
- Assim que meu avô tirava o leite da vaca, era peneirado, eu colocava o leite no balde e despejava o leite numa panela no fogão a lenha, apenas para aquecer e não ferver;
- Já aquecido eu tirava do fogão e esperava esfriar bem.
- Em seguida eu fazia uma mistura de duas colheres de sal porque eu gosto de queijo mais picante com o coalho e dissolvia em meia caneca de água, que eu pegava na moringa. A água vinha direto da mina  e era ótima! (foto acima do Mestre Queijeiro Roberto Soares em São Roque de Minas)
- Despejava a mistura no leite e mexia com uma colher de pau.
- Depois eu colocava um pano branco por cima e deixava o leite coagular por mais ou menos 40 minutos.
- O leite ficava grosso, com aparência de iogurte natural. Com uma faca eu fazia cortes na massa para ela dessorar. Tem que tirar bem o soro senão o queijo não irá ficar bom.
- Corta e esperava mais uns 20 minutos.
- Depois eu colocava balde de madeira na mesa, com o pano que cobria o balde, eu colocava a massa e ia apertando, até sair todo o soro.
- Já sem o soro, eu pegava a massa, colocava numa cuia de cuité e levava para o cômodo da dispensa, onde tinha várias tábuas com várias fôrmas. 
- Colocava a massa na fôrma para queijo, apertava bem mesmo e espalhava mais sal por cima.
- Assim deixava por 8 horas. A tábua era um pouco inclinada e na chão, colocava uma cuia de cabaça. O soro ia saindo aos pingos e caia na cabaça. 
- Depois desse tempo, virava a forma e espalhava mais sal e continuava pingando.
- No dia seguinte, desenformava e colocava numa tábua acima, ainda na dispensa. Se tivesse muito queijo na dispensa, colocava numa tábua que ficava amarrado nos caibos dos teto sobre o fogão a lenha
Tem gente que gosta de queijo fresco, aquele branquinho bem molinho. Eu prefiro o meia cura e o curado, pra mim são os mais saborosos.
A receita do queijo é a mesma em qualquer lugar. O que dará o sabor diferenciado ao queijo dependerá do prazer que você tem em fazer um queijo gostoso, gostar do queijo e amar esse modo artesanal de fazer queijos. A textura, sabor, cor e firmeza vai variar de região por região, do local e do tempo de maturação.
          A receita do queijo é a mesma desde quando começou a produção de queijos em Minas, há mais de 300 anos. Hoje está industrializado, feito em série. Mas ainda nas fazendas do nosso interior se produz o bom e velho queijo à moda antiga, naturalmente, preservando a receita original de nosso queijo mineiro e seu principal ingrediente, o amor pela nossa culinária. (foto abaixo de Lucas Rodrigues do Queijo do Dinho em Piumhi MG)

          Quando saímos da roça, de volta para a cidade, na mala não podia faltar queijos. Fazíamos muitos queijos mesmo e enchíamos a mala de doce de leite, de figo, laranja da terra, carne na lata, café torrado e claro, de queijos, muito, mas muito queijo mesmo.
          Na verdade mesmo, colocávamos poucas roupas nas malas justamente para caber tudo que a gente iria trazer da roça, principalmente queijos. Dava prazer, já que na cidade não se encontra igual. Dava também muitas saudades da roça, de ir de novo, com as malas vazias, fazer biscoitos, doces, bolos, queijos e encher a mala de todas as gostosuras. Levávamos não apenas comidas, mas um pouco de nossos doces momentos que vivíamos ao lado dos avós e tios. 

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