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sábado, 29 de dezembro de 2018

A cidade de Antônio Dias e a Matriz de Nazaré

(Por Arnaldo Silva) Antônio Dias é uma pacata e charmosa cidade no Vale do Aço, a 170 km da Capital e a 55 km de Ipatinga MG. Foi uma das primeiras povoações de Minas, tendo sua origem iniciada em 1º de junho 1706, com a chegada da bandeira de Antônio Dias à região. Essa é a data em que a cidade comemora seu aniversário, tendo sido emancipada em 30 de agosto de 1911.
          Seus pouco mais de 9 mil moradores vivem da agricultura, pecuária, pequenos comércios, produção artesanais de doces, queijos e quitandas, indústria extrativa e transformação, além do turismo, já que a pequena cidade é muito atraente, com um forte tradição folclórica e pelas belezas de suas paisagens naturais, destacando o Rio Piracicaba, que banha a cidade. (na foto acima e abaixo de Elvira Nascimento, vista parcial da cidade)
           Durante o ano, acontecem vários eventos de destaque na no município como a Festa de Nossa Senhora de Nazaré, o CarnaDias, as comemorações de fim de ano, a Semana Santa com missas, procissões e encenações, as festividades de aniversário da cidade, em 1º de junho e a Festa de São Benedito.(na foto abaixo de Elvira Nascimento)
          A devoção a São Benedito se fortaleceu no começou no início do século XX, quando na reforma da igreja, um dos operários da obra se desequilibrou e caiu, gritando "valei-me São Benedito" sem contudo, sofrer um arranhão sequer, na queda. (foto abaixo de Elvira Nascimento)
          Acreditando em um milagre do santo protetor dos negros e escravos, São Benedito, fez promessa para lembrar a data, sempre no primeiro dia do ano ao padre da cidade na época, sendo atendido. (foto abaixo de Elvira Nascimento)
          Aos poucos, a  promessa do operário foi virando tradição, com a participação cada vez crescente dos moradores da cidade e até se tornar hoje um dos maiores festejos populares da região, com grupos de fiéis vestidos com trajes coloridos, instrumentos musicais, danças e cantos de louvores, procissões e missa. A festa é ainda a valorização e a preservação da cultura negra, marcante na cidade. (foto acima de Elvira Nascimento)
          A igreja de Nossa Senhora de Nazaré (na foto acima de Elvira Nascimento) é um dos mais antigos templos da região, tendo sua origem no século XVIII. É uma típica construção de igrejas mineiras: simples e sem muitos detalhes externos, mas suntuosa por dentro. A Matriz tem reboco simples em cores azul e branco. Em seu interior, o forro da nave maior e o assoalho são em madeira. A iluminação é com lustres de cristais, característicos do século XX. 
          O altar-mor, segue o estilo neorromânico, muito utilizado em adornos de templos e fachadas de casas a partir de meados do século XIX e início do século XX. As características principais desse estilo são abundância de arcos plenos sobre portas e janelas, parapeitos em espiral, e torres poligonais nas laterais das fachadas com telhados de formas diversas. O altar-mor da Matriz de Nazaré segue o estilo Rococó, destacando belíssimas pinturas sacras no forro e laterais, com o altar principal ornado em talhas douradas. (na foto acima e abaixo de Elvira Nascimento)
          Foi por ordem do bandeirante Antônio Dias de Oliveira que a igreja foi construída, pelos escravos. Morreu em 1736 aos 90 anos e seu corpo foi sepultado em seu adro. Em sua homenagem, a cidade, passou a se chamar Antônio Dias. (na foto abaixo de Elvira Nascimento, uma das várias fazendas centenárias presentes no município)
          Além da Matriz, na cidade tem  a Igreja de São Geraldo construída a mando do fundador do município de Coronel Fabriciano, o Tenente-coronel Fabriciano Felisberto Carvalho de Brito, tendo sido sepultado nesta igreja. a Igreja do Arraial Velho, a primeira do município, onde também residiu Antônio Dias e o prédio antigo do primeiro Colégio Estadual antoniosiense, que também já foi sede da Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale). 
          A vida em Antônio Dias é calma, tranquila. A cidade é aconchegante, guardando traços da arquitetura colonial e eclética, bem como oferece uma boa qualidade de vida a seus moradores. Os bons e saudáveis costumes mineiros de ir praça com a família e amigos, conversar, ir à missa aos domingos, faz parte do cotidiano de seus moradores, bem como têm tempo para curtirem as belezas naturais do município, como o Rio Piracicaba, na foto abaixo do Sérgio Mourão.
          Além da beleza do Rio Piracicaba, tem ainda como opções naturais matas nativas com trilhas, lagoas e cachoeiras como as cachoeiras da Prainha, Serra Negra, do Salto, Caxambu e da Cascatinha, a Gruta de São Joaquim da Bocaina e a Lagoa do Teobaldo (na foto abaixo de Sérgio Mourão).
          Além de sua história, belezas naturais, a hospitalidade de seu povo e o charme arquitetônico da cidade, em Antônio Dias existe um artesanato valioso com destaque para os bordados e artesanato com fibras vegetais. Tem ainda grupos que desenvolvem atividades culturais como teatro, dança, bandas musicais, corais, grupos de capoeira e folclóricos, que buscam preservar suas tradições. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Banho de rio, boi bravo, fruta do mato

(Por Maria Mineira/São Roque de Minas) Na roça quando se matava um porco, era costume se repartir com a vizinhança um pedaço de carne fresca. Havia um recurso para que as crianças não beirassem as tachas com banha fritando, carne cozinhando. A minha vó Geralda costumava separar os embornais de cada comadre e nos mandava às fazendas e sítios vizinhos, fazer as entregas. Sair de turma era bom demais da conta!
          Antes de pegar a estrada, ouvíamos um punhado de recomendações:
— Ocêis num sai da estrada.
— Oia no chão mode cobra.
— Num come fruta do mato, qui é veneno.
— Cuidado pá num caí da pinguela,
— Num passa dend'água cum corpo quente, sinão constipa.
— Num vai no mei do pasto, sinão panha carrapatinho.
— Cuidado cum as vacas de bezerro novo e os boi brabo.
— Põe sintido no Zé Carlo e no Valadir, qui ês indé piqueno.
— Num roba melancia nas roça dos vizinho...
          Estas e mais uma imensidão de conselhos que nem ouvíamos, pois já corríamos estrada afora. Éramos mais ou menos, uns sete meninos e meninas. Eu e a Irene do Jairim Preto — minha grande amiga de infância — cada uma carregava um irmão pequeno na costas.
          Éramos um bando de crianças barulhentas na estrada. Mal saíamos das vistas dos adultos, entrávamos no pasto por debaixo do arame farpado. Às vezes rasgando a roupa, riscando pernas no capim, espinhando pés descalços, cortando mato, seguindo trilhas até chegar à primeira casa.
          Era uma gritaria, pois o cachorrão bravo nos recebia na porteira; nos perseguindo e nos fazendo subir nas tábuas do curral. O tio João vinha, espantava o bicho e estava entregue a primeira encomenda.
          A turma seguia caminho para casa do tio Roque. Havia ali uma descida íngreme no capim rasteiro; sentávamos de dois a dois em cascas de palmeira deslizando morro abaixo, era o nosso tobogã. Certa vez, perdi o equilíbrio e desci aos trambolhões, indo parar lá embaixo no brejo. Credo!
          Em algumas casas nos davam grandes argolas de biscoito de polvilho que colocávamos nos braços, feito pulseiras comestíveis.
          Contrariando os conselhos, comíamos tudo quanto era fruta do mato: gabiroba, bacupari, araçá. Era bom demais passar perto do coqueiro macaúba que dava aqueles coquinhos de casca dura, mas por dentro eram amarelos e doces, fazíamos sacolas com as saias e os meninos com as camisas. Havia também o Jatobá, um fruto do cerrado, que a gente quebrava a casca para roer a polpa farinhenta-adocicada que ficava grudada nos dentes.
          Uma vez, arriscamos passar perto de bois bravos para ir até uma árvore carregada. Entramos todos no pasto e logo ouvi uma gritaria... Era o Sereno! Boi trochado, com chifres enormes, vindo em nossa direção. O animal estava tão bravo que furava o chão com os cascos. Alguns se empoleiraram rápido nas árvores. Irene e eu não conseguimos subir com os pequenos no colo, então corremos feito loucas, num desespero só...
          Duas meninas em disparada na frente do boi com os irmãos enganchados na cintura. Fiquei com as pernas bambas quase sem conseguir levantar do chão. Foi a única vez que a vi Irene branca que nem cera. Até hoje não sei como conseguimos passar no vão daquela cerca de cinco fios de arame farpado carregando as crianças sem ninguém se machucar. Acho que o anjo da Guarda estava atento.
          Para abrandar o susto, entramos numa capoeirinha de árvores altas onde os cipós floridos se emaranhavam uns nos outros formando arcos. Seguindo o caminho estreito coberto de folhas, uma curva aqui, outra ali e logo se avistava o riacho de água transparente que deixava ver o fundo coberto de pedrinhas e areia.
          Ninguém podia pisar na água, antes de refrescar o corpo. Todo mundo deitava na margem e enfiava o rosto dentro d’água para beber e ver os lambaris correndo entre as pedrinhas. Lamentávamos a falta de uma peneira.
          Depois de matar a sede, molhar os pulsos e a nuca, o banho estava liberado. Era de roupa mesmo, verdadeira festa de jogação de água uns nos outros. Uma vez, a Irene se distraiu e seu irmãozinho Valadir rodou córrego abaixo. Ainda bem que o salvamos a tempo. Achamos o molequinho chorando e todo embaraçado nos embiris. Se via apenas os dentes branquinhos e seu cabelinho crespo brilhando ao sol. Foi um susto, coitadinho!
          O sol já estava a caminho da serra quando alguém lembrava que ainda tinha casa do Seu Diolino para entregar carne. Molhadas, as roupas grudavam nas pernas, estorvando os passos. Quando não secavam no caminho, havia que se inventar uma boa desculpa: uma chuvinha passageira, uma queda da pinguela, porque já na chegada uma mãe reparava:
— Qui rôpa moiada é essa, minina?
          Todo mundo era cúmplice, até os pequenos se calavam...
          Levar uns puxões de orelha nem doía muito. Sarava rápido.
          O que entristecia era a ameaça de que na outra arrumação de porco não iam nos deixar entregar as encomendas.
Imagem de Arnaldo Silva em Bom Despacho MG

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Da gratidão

(Por Miryan Lucy Resende/Uberlândia MG) Cada dia tem seu milagre. Escondido na curva de um sorriso, no canto de um pássaro que dá seu bom dia à flor do seu jardim. Dentro do sonho que te acompanha: aquele de uma vida inteira. O milagre está dentro de nós, fora de nós, disponível a quem queira merecê-lo.
         Quem sabe hoje tenha sido o dia do seu maior milagre. Naquela hora em que você mudou o trajeto. Escolheu outra rua. No momento em que o pneu furou, você perdeu o ônibus, a hora – ganhou a vida. 
         São muitos os mistérios e poucos a percebê-los. Distraídos, vamos acumulando graças, presentes, mais um dia, mais um mês, mais uma chance. E não agradecemos. Nem sequer pensamos a respeito. Preferimos, até, a reclamação, o aborrecimento. Abominamos a adversidade sem ao menos perceber que, ali, bem ali, esteve nosso milagre. 
          Aquele momento em que sua célula quase, quase se multiplicou desordenadamente, mas suas defesas funcionaram – e você continuou saudável. Aquela batida errada do seu coração, que poderia ter sido a última, e ele corrigiu o passo, acertou seu compasso e não te deixou na mão. E você ganhou de presente novos poemas para serem lidos, outras e novas risadas, ganhou de volta pequenas coisas, das quais você, com certeza, sentiria muita falta, embora passe por elas sem reconhecer o milagre que elas encerram. 
         Ainda que o momento seja de tragédia, quando os nossos incêndios particulares e coletivos parecem nos levar quase tudo, procure entre as ruínas: ali há de vicejar um milagre. Não deite nunca sobre os seus escombros. No máximo pense neles como os alicerces da mais necessária e possível reconstrução. Nós podemos. Acredite. O milagre está, é, existe. Decida merecê-lo. Procure por ele a cada final de dia. 
         Essa é a hora em que você poderá eleger o que vai levar para sua noite de sono. A palavra boa de um amigo, o cheirinho bom de um café feito com amor, a doce lembrança de uma imagem, aquele melhor pedaço, a mais gostosa fatia, ou aquela palavra atravessada, a preocupação, a ofensa, a discórdia, tudo o que pode virar ferida.
         Nada vale mais a pena nesse momento em que se fecha o dia, a não ser silenciar e procurar pelo seu milagre . Afinal, amanhecemos sob o mesmo sol e ele se pôs sobre nossas cabeças. E você caiu de pé. Vai duvidar desse milagre? 
Imagem ilustrativa de Sempre-vivas, fotografada pela Giselle Oliveira em Diamantina MG

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Nhá Chica, Baependi e suas cachoeiras paradisíacas

(Por Arnaldo Silva) Baependi, uma charmosa e acolhedora cidade, no Sul de Minas Gerais, distante 330 km de Belo Horizonte, fazendo divisa com os municípios de Aiuruoca, Alagoa, Itamonte, Pouso Alto, Caxambu, Conceição do Rio Verde, Cruzília e São Tomé das Letras. O município conta atualmente com cerca de 20 mil habitantes.
          Sua origem é do século XVIII, quando da chegada à região Sul de Minas, de bandeirantes em busca de ouro. A cidade originou-se de um um pequeno arraial, que cresceu, foi elevado à freguesia e distrito, com a cidade sendo fundada oficialmente em 2 de maio de 1856. (fotografia acima de Carol Biancardi)
          Desde sua origem, a cidade se mostrou ter forte vocação religiosa. Em 1723, Baependi já era paróquia e desde essa época, a religiosidade de seu povo se tornou um dos marcos de sua história manifestados na Igreja de Nossa Senhora do Montserrat, datada de 1754, da Matriz de Nossa Senhora da Boa Morte, datada de 1815 e também a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, datada de 1820, além do Santuário de Nossa Senhora da Conceição. (fotografia acima de Rogério Salgado)
          Devota da Santa, Nhá Chica frequentava esta igreja, tendo na escadaria da igreja, uma estátua em tamanho real da Beata. Por isso, o Santuário é mais conhecido como Igreja de Nhá Chica. Todas essas igrejas são tombadas como Patrimônio Histórico e Artísticos do município.
          A cidade é rica em valores culturais, arquitetônicos, históricos e espirituais, sendo a Beata Nhá Chica, o seu maior patrimônio espiritual, o que faz de Baependi ser conhecida como a cidade de Nhá Chica (Francisca de Paula de Jesus, nascida em Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei MG em 1810, falecida em 14 de junho de 1895, em Baependi MG).(na imagem acima, colorização da única foto existente de Nhá Chica, feita por Rogério Salgado)
          Neta e filha de escravos, Nhá Chica foi uma leiga católica. Muito fiel às tradições religiosas, amável, carismática, bondosa e atenciosa com todos, era tida em vida, como santa. (fotografia acima de Vinícius Barnabé) Sua fama de santa continuou mesmo depois de sua morte, com relatos de vários milagres e graças, segundo os fiéis, obtidos pela intercessão de Nhá Chica. Sua santidade está em processo no Vaticano, tendo a Igreja Católica, reconhecido Nhá Chica como Beata, em 4 de maio de 2013, sendo este um dos passos finais para sua Santificação. Nhá Chica é a primeira Beata de origem negra do Brasil.
           Diariamente, a cidade é procurada por turistas e romeiros vindos de todos os cantos do Brasil, para visitar e rezar no Santuário de Nhá Chica.
          Emoldurada pela Serra da Mantiqueira, Baependi faz parte do Circuito das Águas em Minas Gerais e também da Estrada Real. A cidade é muito bem estruturada para receber turistas, com boas pousadas, restaurantes e bares pitorescos, sendo também uma estância hidromineral. Quando os turistas chegam à Baependi, descobrem que além de paz e elevação espiritual, o município é rico em belezas naturais, principalmente, cachoeiras, como esta da foto acima, do Jerez Costa, a Cachoeira das Três Quedas.
          Suas belezas e paisagens preservadas fascinam e suas mais de 50 cachoeiras, encantam os visitantes. Para chegar a essas cachoeiras, são trilhas, caminhos e paisagens paradisíacas, em especial a paisagem do Parque Estadual da Serra do Papagaio, onde uma grande área dessa unidade está em Baependi. 
          A cachoeira que mais chama a atenção em Baependi é a do Cavalo Baio. Fica na Serra da Canjica, na área do Parque Estadual da Serra do Papagaio. Com seus 215 metros de queda, é uma das maiores de Minas. (fotografia acima de Jerez Costa) O interessante nessa cachoeira é que nascente que formam suas quedas, nasce a mais de 2.200 metros de altitude. O acesso não é fácil, mas a vista da cachoeira é impressionante. 
          Outra cachoeira muito famosa é a do Itaúna. Fica a 20 km do centro da cidade. (na foto acima de Jerez Costa)  É formada por pequenas quedas d´água, que formam poços rasos, que formam piscinas naturais, convidativas para um banho refrescante ou mesmo ficar curtindo as águas nos degraus das pedras.
          A cachoeira do Juju (na foto ao lado de Jerez Costa), nas encostas da Serra do Careta, na área do Parque Estadual da Serra do Papagaio, é outra das mais procuradas. São 130 metros de queda e a paisagem em seu redor é simplesmente espetacular. O acesso é bem difícil e fica um pouco distante da cidade, cerca de 34 km. Por isso é recomendado ir acompanhado de guia.
          Já a Cachoeira do Caldeirão, (na foto acima do Jerez Costa) é uma das mais belas cachoeiras do município. Fica a 32 km do município. É uma pequena queda, que forma um poço enorme. Mas o banhista deve tomar cuidado acidentes e afogamento porque são cerca de 30 metros de profundidade.
          Essas são apenas as mais famosas cachoeiras de Baependi, tem muito mais cachoeiras, serras e paisagens espetaculares. Além da fé e da elevação espiritual, é um lugar ideal para convívio pleno com a natureza, relaxamento e meditação. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

De alguma saudade

(Por Myriam Lucy Rezende/Uberlândia) Quem nunca passou por ela, nunca conheceu tramela, porteira e mourão. Não ouviu galo abrindo manhã, não acendeu fogo em lenha, não viu gato enrolado no rabo do fogão.
      Quem nunca passou por ela, não seguiu procissão em dia santificado, não levou flores aos finados, nunca dedilhou violão. (foto acima de John Brandão - In Memoriam em São Tomé das Letras MG)
     Quem nunca passou por ela, não levou o dedo no tacho, não lavou a cara em riacho, não brincou de queimada, boneca, bola e balão. 
     Não sentou à beira da estrada, não viu noite enluarada, não fez pipa, não jogou no único degrau da entrada as cinco pedrinhas com os primos e irmãos. 
     Quem nunca passou por ela, não sabe o que é jardineira, estribeira, algibeira, roda d’água, nem banhou-se em cachoeira, seguiu a corredeira, virou cambota, acreditou em assombração – e na beira da alvorada andou com os pés calçados só de relva molhada e chão. (foto acima de Arnaldo Silva, em Ouro Preto MG)
     Mas se viveu uma história assim bonita e singela, é bom, seu moço, saber. Um dia ou outro, encostado, ao muro chamado passado, ela se abrirá mansa – uma rosa caipira na palma da sua mão. 
     E o seu olho molhado, que nem chuva no roçado, vai te mostrar que é saudade esse quadro bem pintado, para sempre pendurado, no umbral do coração. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Casa da mãe depois que os filhos se vão

(Por Míryan Lucy de Resende/Uberlândia MG) Casa de mãe depois que os filhos se vão é um oratório. Amanhece e anoitece, prece. Já não temos acesso àquelas coisinhas básicas do dia a dia, as recomendações e perguntas que tanto a eles desagradavam e enfureciam: com quem vai, onde é, a que horas começa, a que horas termina, a que horas você chega, vem cá menina, pega a blusa de frio, cadê os documentos, filho.
          Impossibilitados os avisos e recomendações, só nos resta a oração, daí tropeçamos todos os dias em nossos santos e santas de preferência, e nossa devoção levanta as mãos já no café da manhã e se deita conosco.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é lugar de silêncio, falta nela a conversa, a risada, a implicância, a displicência, a desorganização. Falta panela suja, copos nos quartos, luzes acesas sem necessidade…
          Aliás, casa de mãe, depois que os filhos se vão, vive acesa. É um iluminado protesto a tanta ausência.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre o mesmo cheiro. Falta-lhe o perfume que eles passam e deixam antes da balada, falta cheiro de shampoo derramado no banheiro, falta a embriaguez de alho fritando para refogar arroz, falta aroma da cebola que a gente pica escondido porque um deles não gosta ( mas como fazer aquele prato sem colocá-la?), falta a cara boa raspando o prato, o “isso tá bão, mãe”. O melhor agradecimento é um prato vazio, quando os filhos ainda estão. Agora, falta cozinha cheia de desejos atendidos.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é um recorte no tempo, é um rasgo na alma. É quarto demais, e gente de menos.
          É retrato de um tempo em que a gente vivia distraída da alegria abundante deles. Um tempo de maturar frutos, para dá-los a colher ao mundo. Até que esse dia chega, e lá se vai seu fruto ganhar estrada, descobrir seus rumos, navegar por conta própria com as mãos no leme que você , um dia, lhe mostrou como manejar.
          Aí fica a casa e, nela, as coisas que eles não levam de jeito nenhum para a nova vida, mas também não as dispensam: o caminhão da infância, a boneca na porta do quarto, os livros, discos, papéis e desenhos e fotografias – todas te olhando em estranha provocação.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão não é mais casa de mãe. É a casa da mãe. Para onde eles voltam num feriado, em um final de semana, num pedaço de férias.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é um grande portão esperando ser aberto. É corredor solitário aguardando que eles o atravessem rumo aos quartos. É área de serviço sem serviço.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre alguém rezando, um cachorrinho esperando, e muitos dias, todos enfileirados, obedientes e esperançosos da certeza de qualquer dia eles chegam e você vai agradecer por todas as suas preces terem sido atendidas.
          Por que, vamos combinar, não é que você fez direitinho seu trabalho, e estava certo quem disse que quem sai aos seus não degenera e aqueles frutos não caíram longe do pé?
          E saudade, afinal, não é mesmo uma casa que se chama mãe?
Fotografia ilustrativa acima de autoria de Arnaldo Silva em Bom Despacho MG

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

O Museu dos Dinossauros em Peirópolis

(Por Arnaldo Silva) Distrito de Uberaba, no Triângulo Mineiro, Peirópolis, está localizado às margens da rodovia BR-262, a 20 km do centro da cidade. 
          No início do século XX, o distrito se destacava pela produção de calcário, o que trouxe várias pessoas para a região. Na época, o Triângulo Mineiro era ligado por trilhos pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que chegou a Uberaba em 1889. Com a estrada de ferro, foi criada uma pequena estação em Cambará, entre Conquista MG e Uberaba, inaugurada em 1924.
          Entre as pessoas que foram atraídas pelo calcário, estava Frederico Peiró, um imigrante espanhol que chegou ao local em 1911, montando em seguida duas fábricas de cal virgem. A atividade de Peiró se tornou conhecida, abrindo novos mercados e tornando a região de Cambará muito conhecida, graças ao fácil acesso e escoamento da produção pelos trilhos da Mogiana. (fotografia acima e abaixo de Luís Leite)
          Com a popularidade da produção de cal virgem e do espanhol, o nome do povoado passou a ser associado ao de Frederico Peiró, popularmente chamado de cidade do Peiró ou Peirópolis (polis= cidade). Assim, a estação de Cambará, bem como o distrito, foi oficialmente chamado de Peirópolis.
          Com a desativação da linha férrea em 1976, o calcário continuou sendo extraído na região, não sendo hoje a atividade de destaque do distrito. Peirópolis se destaca hoje pelo turismo.
          Com as escavações na região para a retirada do calcário e retificações de obras da Companhia Mogiana, a partir da década de 1940, foram sendo encontrados fósseis de animais pré-históricos. (fotografia acima de Luís Leite)
          A descoberta atraiu para a região paleontólogos, como o gaúcho Llewellyn Ivor Price (1905-1980), considerado o pai da paleontologia brasileira Ivor Price chegou em Peirópolis em 1947, ficando até 1974. 
          O paleontólogo e seus assistentes fizeram fizeram escavações entre 1949 e 1961, encontrando e recuperando centenas de ossos fossilizados do período Cretáceo Superior (100 a 65 milhões de anos atrás), principalmente de titanossauros. (foto abaixo de Cris Ferreira/@paisagenscsf)
          O paleontólogo viveu em Peirópolis até 1974. Ao longo desse tempo foi formando um rico acervo de fósseis que hoje integra a coleção do Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), no Rio de Janeiro.
          Em 1991, a antiga estação de trem foi restaurada e em seu entorno foi instalado um Complexo Científico Cultural com nome o Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, popularmente chamado de Museus dos Dinossauros de Peirópolis. (fotografia acima e abaixo de Luís Leite)
          No museu há um laboratório de preparação de fósseis e um museu paleontológico que conta com fósseis e painéis com cenários com a história dos animais e vegetais que habitaram a região de Uberaba há milhões de anos. Tem ainda um parque com réplicas de dinossauros e algumas residências que foram construídas em seu entorno para os pesquisadores.
          No Museu dos Dinossauros, além de fósseis e história dos dinossauros, tem como destaque:
- O esqueleto fossilizado do crocodilomorfo do Cretáceo Superior Uberabasuchus terrificus – descoberto na região no ano 2000 e um dos mais completos do tipo já encontrado no mundo – exposto no museu ao lado de uma réplica do animal. (fotografia acima de Luís Leite)
- O Uberabasuchus terrificus - pertence a uma família de crocodilomorfos denominada Peirosauridae em homenagem a Peirópolis. Estima-se que ele media aproximadamente 2,5 metros de comprimento e pesava cerca de 300 kg.
- O Uberabatitan ribeiroi -  encontrado em 2004, na Serra do Galga entre Uberaba e Uberlândia, durante escavações para duplicação da BR-050.
Localização e horários de funcionamento
          
Horário de visitação: terça a sexta das 08h às 17h e sábado, domingo e feriados das 08h às 18h.No período de janeiro (férias) o Museu também está aberto às segundas-feiras.
          Em Peirópolis, o visitante encontra pousadas, restaurantes e lanchonetes.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

A Gruta da Lapa, Antônio Pereira e o mistério da Igreja queimada

(Por Arnaldo Silva) Distrito de Ouro Preto, Antônio Pereira é uma charmosa e atraente vila ouro-pretana, distante 16 km da sede e a 9 km de Mariana, cidade histórica vizinha a Ouro Preto. (na foto acima de Judson Nani, a entrada para a Gruta da Lapa)
           Foi uma das primeiras povoações de Minas Gerais e um dos primeiros núcleos de mineração em território mineiro, com grande número de minas de ouro e minério, encontradas na região no início do século XVIII. (na foto acima de Ane Souz, vista parcial de Antônio Pereira) 
Relíquias de Antônio Pereira      
          Antônio Pereira guarda relíquias de nossa história, destacando as ruínas da igreja de Nossa Senhora da Conceição e o cemitério que fica no seu interior. (na foto acima de Ane Souz) 
          Da igreja, restou a imponente fachada e suas colunas, erguida em blocos de pedra. Além das ruínas da igreja, tem o Garimpo do Topázio Imperial, pedra preciosa encontrada somente na região de Ouro Preto e em nenhum outro lugar no mundo.        
          A Gruta da Lapa é outro atrativo para os visitantes (na foto acima do Judson Nani). Na gruta foi montada uma pequena capela, onde peregrino acendem velas e fazem orações. (na foto abaixo de Ane Souz)
A origem de Antônio Pereira
          A história do distrito começa com a chegada à região do bandeirante português Antônio Pereira Machado, por volta de 1700-01. O português ficou pouco tempo na região, deixando a vila 3 anos depois de sua chegada, assustado com o grande número de animais selvagens que apareciam em sua propriedade e a escassez de alimentos, provocando uma grande onda de fome nesta época. 
          Posteriormente chegou a região padre João de Anhaia que deu início a formação do povoado, com a ajuda de Mateus Leme e Antônio Pompéu Taques, que passaram a explorar as numerosas minas de ouro da região como as minas Romão, Mata-mata, Macacos, Capitão Simão, Fazenda do Barbaçal, Mateus, da Rocinha
          Com a atividade mineradora crescente, o arraial aumentava a cada dia, e em homenagem a seu primeiro morador, Antônio Pereira, passou a ter esse nome. Pouco tempo depois, era erguida uma imponente igreja, graças a riqueza produzida pelas minas de ouro da região. A igreja foi dedicada a Nossa Senhora da Conceição, fundada em 1716, reconhecida como matriz em 1720. Em torno da Matriz o povoado se desenvolvia.  
O mistério da igreja queimada
          Da igreja erguida com pompa no início do século XVIII, ornada em ouro, restou apenas a fachada. Era imponente, se destacava logo na entrada do povoado. Foi incendiada em 1830 e até hoje a causa do incêndio é desconhecida. Não se sabe se foi acidental ou proposital.  Há duas versões sobre o incêndio, passadas oralmente por gerações. Uma dessas versões diz que a igreja foi roubada por um viajante que entrou na calada da noite na igreja, retirou tudo que pôde em ouro, colocou fogo e fugiu em seguida.
          Outra versão diz que o incêndio foi provocado por uma vela esquecida pelo sacristão, de nome Roque. Como boa parte da ornamentação da igreja era em madeira, o incêndio se alastrou com rapidez, destruindo todo o templo. Segundo a tradição oral, o sacristão chegou a ser detido pelas autoridades da época, pelo fato. Mas nenhuma das duas versões citadas foi comprovada até hoje.
Por que não foi reconstruída?
          A igreja foi destruída e reconstruí-la não seria tarefa difícil para os moradores da vila, mas optaram por deixar como estava. Isso devido a um fato marcante para os moradores de Antônio Pereira na época, envolvendo Nossa Senhora da Conceição.
          Segundo a tradição oral, a Santa saia de sua igreja e aparecia numa gruta próxima a sua igreja, por isso era chamada de Nossa Senhora da Lapa. Quando a igreja foi queimada, a imagem de Nossa Senhora da Conceição foi encontrada no interior da gruta, intacta. Entenderam assim os fiéis que a santa queria ficar neste local. 
          E assim está até hoje e a igreja de Antônio Pereira passou a ser a da Gruta da Lapa, bem como de Nossa Senhora da Conceição, carinhosamente chamada de Nossa Senhora da Lapa pelos moradores locais, um dos pontos de manifestação de fé da região recebendo fiéis que vão à gruta rezar, pagar promessas e pedir bênçãos, como podem ver na foto acima da Ane Souz. 
          No local onde está imagem, foi construído um altar e todos os todos os dias, fiéis vão à gruta rezar e acender velas, principalmente no dia 8 de dezembro, data que a Igreja Católica comemora o dia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, como podem ver na foto acima de Ane Souz.
O óleo que surge das rochas
           Outra curiosidade no interior da gruta é um óleo que surge numa pedra, que lembra o formato da santa que está no altar. Os fiéis se emocionam com a pedra, tocam com as mãos e passam este óleo pelo corpo, se benzendo, simplesmente movidos pela fé em Nossa Senhora da Imaculada Conceição.
Qual a explicação para o fenômeno?
          Esse tipo de fenômeno no interior de cavernas e grutas são comuns. O fenômeno se dá pela precipitação lenta e contínua de carbonato de cálcio, levados pelas águas que chegam as grutas por fendas, que escorrem pelas formações lentamente, se petrificando ao longo dos séculos. (foto acima e abaixo de Judson Nani)
          Quando esse líquido cai de cima para baixo, chama-se estalactites. Quando o líquido vem de baixo para cima, é estalagmites. Esse líquido petrifica, formando belas composições naturais no interior das cavernas e grutas. Dependendo da formação rochosa, podem ter várias tonalidades de cores, bem como formatos inusitados que podem lembrar figuras humanas, de animais ou de plantas. 
          No caso da gruta de Nossa Senhora da Lapa em Antônio Pereira, a formação lembra a imagem da santa, o que instiga mais ainda os mitos criados ao longo do tempo em torno da gruta, da igreja e da santa. 
Outros atrativos de Antônio Pereira
         Além dos das ruínas da igreja, do cemitério, do casario e da gruta, em Antônio Pereira tem ainda belas paisagens naturais (na foto acima de Ane Souz) e belas cachoeiras como a Cachoeira da Escuridão, Cachoeira da Vila ou Lagoa Azul a e Cachoeira da Lajinha, dentre outras belezas naturais formadas pelas montanhas em redor e a quantidade de minério entre as montanhas e rochas, tornando a paisagem muito bela. 

sábado, 17 de novembro de 2018

A culinária do Norte de Minas

(Por Arnaldo Silva) A Cozinha mineira é uma das maiores riquezas do Estado. É um patrimônio imaterial do povo mineiro. A nossa culinária ajudou na formação da identidade do Estado. (na foto abaixo da Marilene Rodrigues, a farinha de mandioca, um dos principais produtos da região)
          A nossa cozinha é como nosso povo. Tem origem mestiça. Veio do colono europeu, do povo negro africano e dos índios nativos. Essa mistura maravilhosa de raças e povos, criou a nossa identidade cultural, social e gastronômica. (na foto abaixo do Edson Borges, o pequi com arroz, um dos principais pratos da culinária do Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha)
          Para o português, que para cá veio em busca de ouro, a necessidade de comida era grande. Numa terra recém-descoberta, comida praticamente não existia, dai a necessidade de se criar. Junto com os portugueses, vieram os negros e aqui, juntamente com a população indígena, começaram a brotar as nossas raízes culturais e gastronômicas. Essa união afro-indígenas proporcionou o surgimento da culinária que é uma das identidades do Estado de Minas Gerais.
          Os portugueses e demais povos europeus que para cá vieram, contribuíram em muito com o aprimoramento da culinária que estava se desenvolvendo. Eles conheciam as qualidades naturais dos produtos e tinham domínios sobre temperos, principalmente temperos indianos, que foram introduzidos à nossa culinária. Sem contar os doces e o queijo, que os colonos trouxeram da Europa as técnicas de fazer, ensinando aos escravos e índios, adaptando as técnicas aos produtos encontrados em nossas terras. Assim começou o embrião da nossa culinária. (na foto abaixo de Eduardo Gomes, o araticum, um dos principais frutos do Cerrado)
          O aprimoramento e até mesmo a criação de pratos, se deve aos tropeiros. É inegável a influência dos tropeiros no surgimento da nossa culinária. Não que eles queriam inventar, mas porque precisavam de comida, dai foram adaptando seus conhecimentos aos produtos encontrados na região que hoje é o Estado de Minas. Eles viajavam por todo o território mineiro, em busca de ouro e por serem viagens longas, precisavam de alimentos que durassem mais tempo, que não perecessem rápido.
          Assim foi surgindo formas de armazenar comida como a carne, armazenada na lata, o açúcar que foi transformado em rapadura, o queijo curado, a mandioca, que era comida indígena, bem como o milho triturado, chamado de canjiquinha e o fubá. Alimentos que podiam ser levados nas tropas e que duravam muito tempo.
          Outra parte da nossa culinária veio das fazendas, basicamente das senzalas, onde as escravas criavam pratos a pedido das Sinhás. Das tabas indígenas e senzalas surgiram vários pratos e ingredientes que hoje fazem parte da nossa cozinha como polvilho, a farinha de milho, de mandioca, o fubá. A partir desses ingredientes foi surgindo quitandas diversas como o pão de queijo, o biscoito, o bolo de fubá. Doces também, como o de leite, de mamão, a goiabada, saíram das senzalas para nossas mesas aprimorando as técnicas ensinadas pelos colonos.(na foto acima, de Manoel Freitas, doce de marmelo em São João do Paraíso, fruta introduzida na região desde o século XIX, hoje cultivada em larga escala, no município)
          E nesse contexto a culinária foi se desenvolvendo, usando o que a terra produzia e o que já existia por aqui, passados pelos índios. Mas pela dimensão do Estado e biomas diferente, como Cerrado e Mata Atlântica, presentes na vegetação mineira, a cozinha variava, não era a mesma em todas as regiões. Em boa parte sim, mas certos alimentos não eram comuns em todas as regiões do Estado como, por exemplo, pequi, comum no Norte, Centro Oeste e parte da região Central de Minas Gerais, onde predomina o Cerrado. (na foto de Manoel Freitas a castanha do pequi, muito rica em minerais)
          Já na região Sul, Campo das Vertentes e Zona da Mata, a predominância é do bioma Mata Atlântica. É nesse contexto que surge a culinária regional, que faz parte da culinária Mineira, com suas identidades próprias de acordo com clima, vegetação e alimentos disponíveis. Essa regionalização hoje é a marca da nossa culinária, presente em todas as regiões, com certos pratos típicos de cada uma das 12 regiões mineiras, de acordo com o que os biomas produzem.
          Como disse acima, a junção do branco, índio e africano, deu origem a nossa formação cultural e gastronômica. A presença dessas três raças foi predominante para o povoamento e crescimento da região Norte de Minas, a partir do século XVI e XVII. Os portugueses e tropeiros chegaram ao Norte de Minas margeando o Rio São Francisco e ao longo do caminho, foram formando povoados, que hoje são cidades. (na foto acima, de Manoel Freitas, feijão de Andu, colhido em Botumirim MG)
          Assim surgiu uma das mais ricas cozinhas de Minas, que é a cozinha do Norte do Estado de Minas Gerais, cujos pratos estão presentes em nossas mesas e contribuíram para dar a Minas Gerais, a nossa identidade culinária.
          No Norte de Minas predomina a vegetação de Cerrado nativo e tem o Rio São Francisco como um das suas maiores riquezas. Dos frutos do Cerrado Norte Mineiro surgiu pratos que hoje sustentam famílias e deram origem a vários pratos ainda hoje presentes em nossas mesas. Por ser uma região de contrastes, não apenas sociais, mas geográficos, os sabores da mesa norte mineira é um pouco diferente do restante do Estado. A região produz frutos, alimentos e temperos diferentes do restante do Estado, oriundos de uma culinária mestiça, muito rica em sabores e temperos singulares e fortes como a pimenta, muito apreciada, diferente de outras regiões do Estado. (na foto abaixo do Manoel Freitas, barcos de pescadores no Rio São Francisco em Itacarambi MG)
          Esses pratos e temperos vêm do que a região produz. A pecuária sempre foi forte na região. A carne de boi é muito apreciada na região, principalmente a carne de sol. Mirabela, uma das cidades da região, é considerada a Capital Nacional da Carne de Sol. 
          O nosso quiabo com angu, muito apreciado com frango hoje, tem origem no Norte de Minas. No Norte Mineiro a paçoca de carne, a farofa de feijão andu, tropeiro com torresmo e rapadura não faltam nas mesas. Sem contar o pequi com arroz, que é consumido sempre, já que o pequi é o símbolo do Cerrado e o fruto reina em todo norte mineiro, sustentando inclusive famílias e gerando empregos em municípios com a produção de licores, compotas e polpas da fruta, vendidos no comércio. Montes Claros e Japonvar se consideram capitais nacionais do pequi.
          Além do pequi, o Cerrado tem outras frutas que são consumidas in natura ou viram sucos, doces, compotas, geleias, sorvetes, licores, conservas como o cajá, jatobá, cajá manga, seriguela, caju, cagaita, araticum, tamarindo e etc. (na foto acima do Gilberto Coimbra, o Mercado Municipal de Montes Claros, onde você pode encontrar todos os temperos e ingredientes da famosa culinária do Norte de Minas)
          O Rio São Francisco banha boa parte do Norte de Minas e suas águas sustentam milhares de famílias, seja no turismo, seja na pesca. O Rio São Francisco, possui 152 espécies de peixes, ao longo de toda sua bacia. Esses peixes como o surubim, dourado, curimatã-pacu, matrinchã, mandi-amarelo, pirá, piau-verdadeiro, dentre outros estão presentes na culinária norte mineira, como a famosa moqueca de surubim.
          Essa é a origem da culinária de uma das maiores e mais importantes regiões do Estado de Minas Gerais. Marcada pelos contrastes, mas também pela força e fibra do povo, que batalha, trabalha e preserva sua cultura, história e gastronomia. 

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