14 de fevereiro de 1920 é o marco da criação da primeira colônia agrícola de imigrantes alemães em Bom Despacho. A primeira colônia criada na cidade foi a Colônia Álvaro da Silveira, nas terras da fazenda Capão, a 13 km de Bom Despacho. Esta colônia contava ainda com estação de trem e armazém ferroviário, como podem ver na imagem acima, tratada pelo Rogério Salgado, que mostra colonos e trabalhadores da ferrovia.
A colônia ocupava uma área de 4.239 hectares, entre Bom Despacho e Leandro Ferreira, cidade limitada pelo Rio Lambari. Nesta época, Leandro Ferreira era distrito de Pitangui MG. Quando famílias foram instaladas de imediato não há informação precisa. Em 1929 na colônia Álvaro da Silveira, viviam cerca 75 famílias com 444 pessoas e outras famílias foram chegando na década de 1930.
No ano seguinte, em 5 de fevereiro de 1921, era criada a Colônia Agrícola Davi Campista. Ocupava uma área de 1320 hectares nas terras da fazenda Cachoeira do Picão, a 5 km de Bom Despacho. Inicialmente, foram instaladas cerca de 50 famílias, num total de 274 pessoas. Na foto acima, o casarão sede da Colônia Davi Campista em 2012. Hoje seu atual proprietário está restaurando e recuperando todo o casarão. Chegada à Bom Despacho
A maioria dos imigrantes que vieram para Bom Despacho eram alemães e também vieram famílias holandesas, austríacas, húngaras, polonesas e suíça, como Rosa Korell, natural de Berna. Era parteira e muito popular na cidade. Na foto acima do Wesley Rodrigues, vista noturna de Bom Despacho. Deixaram uma Europa arrasada pela Primeira Guerra Mundial, mergulhada numa crise econômica sem precedentes no Continente, temiam uma nova guerra e piora ainda mais das condições de vida. Deixar a Europa foi a única opção em busca de segurança e trabalho. A América foi o destino escolhido e o Brasil, um dos países que mais recebeu imigrantes. Chegaram com poucos pertences e cheios de esperança em uma terra que onde não conhecia absolutamente nada. Cultura, clima, povo, língua, culinária, nada. Após três meses de viagem de navio, os imigrantes que viriam para Bom Despacho desembarcaram no porto do Rio de Janeiro e de lá encaminhados para uma quarentena na Ilha das Flores. Em Bom Despacho Em Bom Despacho, tiveram que passar por um período de adaptação e entenderem na prática, as diferenças entre América Tropical e Europa. O Centro-Oeste de Minas, onde está Bom Despacho, é caracterizado por vegetação típica de Cerrado. Inverno brando, numa média de 14°C graus e verão entre 27 e 35°C graus.
As construções na colônia, no estilo colonial e bem simples, eram diferentes da arquitetura enxaimel alemã e a paisagem natural, totalmente diferente. Tiveram que conviver com frutas e verduras totalmente desconhecidas, como pequi, bacupari, araticum, jabuticaba, gabiroba, manga, ora-pro-nóbis, jiló, quiabo, dentre outras que sequer tinham ouvido falar.
As bebidas comuns entre os alemães, vinho e cerveja era raro, já que não existia produção de vinhos na época e muito menos malte e lúpulo, base para fabricação de cervejas. Apenas nas colônias alemãs e italianas do Sul e São Paulo, eram encontradas.
Existia em Minas o vinho de rosas, feito desde o século XVIII no Mosteiro de Macaúbas em Santa Luzia e vinho de jabuticaba, de Catas Altas MG. Os alemães nem sequer sabiam o que era isso. Aprenderam a conhecer a cachaça e os licores de frutas tropicais, tradicionais em Minas.
Trigo aqui era inexistente, na época, como até os dias de hoje, era importado. O trigo é o principal ingrediente para pães e bolos e pão é tradição na Alemanha. São mais de 300 receitas diferentes de pães alemães.
A pouca produção de trigo no Brasil resumia nas colônias do Sul, mas insuficiente. Foram apresentados ao fubá e polvilho de mandioca. Tiveram que aprender a fazer pão com esses ingredientes e também adaptar as receitas típicas alemãs aos ingredientes disponíveis na colônia.
Pelo menos aqui tinha café em abundância, a bebida preferida dos alemães, além do vinho, cerveja e chás.
Tinha também carne de porco e boi. Os alemães são apaixonados por salsichas assadas, joelho de porco, porco assado, bolinhos de carne e batata. Pratos com carne bovina e principalmente suína são imprescindíveis na mesa alemã. E também de aves, como o marreco. Mas essa ave era rara em Minas. Tinha era galinha e frango caipira, que gostavam também.
Substituindo ingredientes
A culinária alemã é secular, cheia de cores e sabores e uma das melhores do mundo. Engana-se quem pensa que a cozinha alemã se restringe a cerveja, vinhos e salsichões. Os alemães em Bom Despacho tiveram que se adaptar à culinária mineira e adaptar na medida do possível, os ingredientes disponíveis à seus pratos típicos doces e salgados como o pretzel, wurstsalat, eisbein, sauerkraut, leberkäse, schweinsbraten, strudel, berline lebkuchen, stollen, rote, grütze, schwarzwälder, kirschtorte, etc.
Nos pratos alemães com centeio, substituíram pelo fubá. Nos que usavam trigo, substituíram pela farinha de arroz. Como não tinha uva, fermentavam jabuticabas, que era abundante nessas terras e faziam vinhos. Não tinha malte e nem lúpulo para fazer cerveja. Mesmo assim faziam a bebida com milho e arroz. E assim foram adaptando seus pratos preferidos com os ingredientes locais e fazendo também os pratos regionais mineiros.
Costumes diferentes
As dificuldades no início é se adaptarem aos costumes locais e ao clima. Por exemplo, os alemães estranharam muito o café da manhã do mineiro em geral. Era bem leve, com uma caneca de café simples, broa de fubá e biscoitos. Já o almoço e o jantar, mais pesado, com arroz, feijão, farinha, carne e legumes.
Ao contrário da tradição alemã. O almoço e o jantar era mais leve. Já o café da manhã bem pesado, farto e variado.
A mesa de café da manhã dos alemães contava com vários tipos de pães, geleias, café, chás, queijo, linguiça, carne de porco cozida, salsicha assada, batata assada e cozida, iogurte natural e cereais. Tradicionalmente tinha vinho e cerveja, mas como não produziam na colônia e nem conseguiam comprar, tinha então vinho de jabuticaba, licor e cachaça. Tudo isso só no café da manhã.
Um outro hábito alemão, principalmente dos alemães da região da Pomerânia, estranhíssimo para os moradores da cidade era passar banha de porco no pão e comer, no café da manhã. Aqui se passa manteiga, mas banha de porco, nunca viram e nem quiserem experimentar.
Imagina comer isso tudo nas primeiras horas da manhã e ir para a lida nas lavouras, em pleno Cerrado mineiro com sol a pino, a mais de 30 graus!
Relação com a comunidade
A maioria dos imigrantes tinham uma relação muito distante dos moradores locais.
A vida dos imigrantes ficava restrita à colônia e nas comunidades rurais nas redondezas da colônia. Iam à cidade apenas para resolverem questões rápidas ou fazerem compras nos armazéns. Não eram todos, evidentemente. Muitos também faziam amizades, se relacionavam com os moradores locais e com o tempo, filhos e netos desses imigrantes se casaram com moços e moças da cidade.
Mesmo os que os ficavam nas colônias, sem frequentarem muito a cidade, eram pessoas alegres, cordiais e recebiam os moradores locais muito bem nas colônias. Tinham cultura e formação profissional acima da média brasileira e muita educação e eram tratados com respeito pelos moradores da cidade.
Um fato curioso na Colônia Davi Campista era a luz elétrica, na década de 1920. Os alemães construíram uma pequena usina, no fundo da sede que gerava energia elétrica para a casarão. Numa cidade onde a maioria vivia a luz de lamparinas, era uma novidade e tanto. Muitos iam lá só para ver como era a luz elétrica. Ainda restam vestígios dessa pequena usina com a roda d´água nos fundos, como podem ver na foto que fiz acima.
Eram capacitados, muito trabalhadores e inteligentes. A própria comunidade local percebia isso e seus conhecimentos eram de grande valia para a comunidade. Isso porque contribuíam com a comunidade, compartilhando seus conhecimentos e aprendendo também.
Nas comunidades, era comuns festas e encontros de famílias no terreiro das sedes das colônias e também cafés coletivos, chamado de Café Colonial, por terem sido criados pelos colonos do Sul do Brasil. Colonial de colono, por isso o nome. Foram os imigrantes que criaram o café colonial.
Além disso, lembravam as festividades alemãs, músicas folclóricas e tradições, como podem ver na imagem acima cedida pelo William Araújo/Bar do Tonhão e tratada pelo Rogério Salgado, alemães comemorando o carnaval na Colônia Davi Campista. Uma dificuldade atrás da outra Não era apenas na questão de clima e culinária as dificuldades encontradas pelos alemães em nossas terras. Tinha a língua que ninguém entendia, as vestimentas que eram diferentes e a formação profissional dos imigrantes, bastante elevada para os padrões da época, mas estavam num país, na época, agrário e não existia tecnologia para produzir os maquinários e ferramentas que existiam na Europa. Tinham que trabalhar com ferramentas rudimentares e até mesmo, criar suas próprias ferramentas de trabalho. O serviço era pesado e braçal, usando ainda animais de tração, além da falta de dinheiro para investimentos na melhoria de seus equipamentos. Vieram até com ferramentas industriais e muitos sequer, nem as tiraram das bagagens, por não terem como usar na época, por serem ferramentas para indústria e não para a agricultura. Em sua maioria, eram profissionais especializados na indústria de fundição, metalurgia e ferrovias. Alguns tinham inclusive experiência militar, como Bruno Kohnert e Frederico Seidler. Ambos lutaram pelo exército alemão na Guerra dos Boxers, na China (1899-1900) e na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Frederico Seidler era ferreiro e trouxe consigo para o Brasil sua oficina. Bruno Kohnert trabalhava com o pai na Krupp, uma das maiores indústrias da Alemanha e Europa na época. Além disso, conheceram da pior forma possível as doenças tropicais, como a malária, o tifo, a febre amarela, verminoses e outras doenças. Tiveram ainda que conviver com pragas diversas como bicho-do-pé, piolhos de galinhas, carrapatos, pulgas, barbeiros e percevejos, além de cobras e escorpiões. Mesmo com tantas dificuldades, perseveram, já que eram um povo valente e forte. Contavam com apoio das comunidades alemãs mineiras, principalmente de pastores luteranos, a religião predominante entre os alemães. Pastores luteranos vinham sempre de Juiz de Fora MG e Belo Horizonte darem apoios aos alemães das colônias bom-despachenses. Na foto acima cedida pelo William Araújo e tratada pelo Rogério Salgado, a família Walder, em sua casa na Colônia Álvaro da Silveira
A Segunda Guerra Mundial
Na década de 1930 e início da década de 1940, a situação de vida e trabalho em Bom Despacho e nas colônias tinha melhorado muito. Já melhores adaptadas, prosperavam, mesmo com o mundo em guerra. Mas, tudo começou a mudar quando em 1942, o Brasil entra em Guerra contra a Alemanha e Itália.
Bom Despacho era e é até os dias de hoje, uma cidade de forte presença militar. Naquela época era maior. Na cidade foi instalado em 1931, o 7° Batalhão de Caçadores Mineiros, hoje 7°BPM, além de contar com um quartel do Exército. Muitos militares bom-despachenses combateram na Revolução Constitucionalistas de 1932 e outros tantos, embarcaram para a Europa para lutarem na Segunda Guerra, integrando as Forças Expedicionárias Brasileiras. Na imagem acima, casal de alemães da Colônia Álvaro da Silveira.
As notícias das atrocidades cometidas por alemães e italianos chegaram ao Brasil, gerando um clima hostil aos imigrantes e descendentes de imigrantes italianos e principalmente alemães. Em Bom Despacho não foi diferente. Os imigrantes começaram a serem vítimas de xenofobia e preconceito. Na medida que a situação da Guerra piorava, começaram a ser perseguidos, espancados e até presos, simplesmente pela nacionalidade, mesmo não tendo nada a ver com o que acontecia na Europa. Os alemães que viviam nas duas colônias da cidade ficaram apavorados e com muito medo. Retiraram seus filhos das duas escolas existentes nas colônias. Eram escolas mistas, com filhos dos alemães e dos moradores juntos. Outros, abandonaram suas propriedades e suas casas e começaram a ir embora com suas famílias Aconselhados e apoiados por pastores luteranos, migraram-se para regiões de maior concentração de imigrantes, como Santa Catarina e Espírito Santo, onde ficariam mais protegidos. Outros para outros países e alguns voltaram para Alemanha. As colônias começaram a desintegra-se. Ficaram poucas famílias alemãs nas colônias. Os que ficaram, não queriam sair da cidade, mesmo com a tensão que cercava os colonos. Tinha negócios, trabalhos, gostavam das colônias e seus filhos e netos, boa parte nascidos nessas terras. (na imagem acima cedida pelo William Cândido, uma das casas de colonos em Álvaro da Silveira)
Os imigrantes mais velhos foram falecendo e sendo sepultados nos cemitérios das colônias. Até a década de 1980, alguns desses imigrantes ainda viviam em suas glebas, ou na cidade, com suas famílias. Viveram em Bom Despacho até os últimos dias de suas vidas. Acima o cemitério da Colônia Davi Campista, murado. O cemitério da Colônia Álvaro da Silveira não está cercado. Aqui ficaram porque gostavam e estavam bem-adaptados, criaram seus filhos ou tiveram outros aqui. Alguns filhos e netos dos imigrantes formaram famílias, casando-se com moradores de Bom Despacho e de outras cidades. Além disso eram respeitados e colaboraram com o crescimento da cidade. Na foto acima, ruínas do armazém da Colônia Álvaro da Silveira. Não só eles, mas todos os imigrantes que para Bom Despacho vieram, de alguma forma, deixaram um legado de grande valor para o desenvolvimento social, cultural, econômico e industrial da cidade e isso, é reconhecido. Na imagem acima cedida pelo William Araújo, casa em ruínas na Colônia Álvaro da Silveira. Descendentes dos imigrantes Não é difícil encontrar na cidade, pessoas que carregam sobrenomes alemães. Alguns até leem, escreve e falam alemão fluentemente. São netos, bisnetos e trinetos dos imigrantes das duas colônias de Bom Despacho. De acordo com os registros de nascimentos, óbitos e casamentos dos cartórios de registro civil de Bom Despacho e Leandro Ferreira, onde ficava uma parte da Colônia Álvares da Silveira, foram encontrados sobrenomes das seguintes famílias de imigrantes: Sobrenomes das famílias na Colônia Agrícola Davi Campista: Berber, Bock, Brack, Breitenbaum, Brulhardt, Butschkau, Eckert, Eppenstein, Evers, Feistel, Fischer, Gerards, Hahn, Janson, Karst, Kaulich, Katthagen, Kettrup, Klein, Klezewsky, Klimaschevski, Korell, Lotze, Michalski. Peifer, Polatschek, Reimer, Röppe, Schneidereit, Seidler, Westermann, Zellin.Sobrenomes das famílias da Colônia Álvaro da Silveira: Anuth, Bartels, Bergerhoff, Bergmann, Berkert, Bobbia, Bokermann, Darge, Darmstädter, Denecke, Egen, Ehlert, Engemann, Escher, Fahner, Falkenburg, Frei Fronzeck, Fröseler, Gendorf, Gimpel, Gölz, Gottschalg, Gurgel, Guy, Hammerich, Hanke, Henrig, Honeker, HungerIsliker, Patria, Jensen, Jung, Kargl, Kling, Klitske, Knischewski, Kohnert, Korell, Koslowski, Köster, Krawzyk, Kresse, Kunert, Kunzler, Ledandeck, Ludgen, Ludwig, Lütkenhaus, Mangels, Mossler, Motskus, Müler, Müllerchen, Niegetrat, Nowasyk, Overlander, Paniz, Primus, Rabe, Reiferscheid, Richter, Roedel, Schierm, Schmidt, Steinbrecher, Tegeler, Tentz, Wagner, Walder, Weiser, Weller, Widmer, Winterink e Zuber.