Essa busca por supostos tesouros enterrados mobilizou muita gente ao longo dos séculos. Em várias cidades onde existia ouro em abundância nos séculos 18 e 19, existem relatos de tesouros enterrados. Em Ouro Preto também, além de histórias de fantasmas e escravos que assombram algumas ruas e casarões da cidade. Isso faz parte do imaginário popular.
No caso da Casa dos Inconfidentes, não é diferente. Você vai conhecer "estórias" recheadas de mistérios, assombrações e ganância.
A parte mais interessante do casarão do Inconfidente Álvares Maciel começa mesmo na década de 1940. Nesse tempo, o casarão estava completamente abandonado e em ruínas. Nele vivia um mendigo, conhecido por Zé Canivete. Vivia de esmolas que conseguia durante o dia andando pela cidade. À noite, ia para o casarão para dormir.
Numa fria noite de inverno, sem lenha para acender uma fogueira para se aquecer, Zé Canivete pegou um machado e rachou uma porta de madeira maciça e bem grossa ao meio. Ao ver a porta rachada, levou um susto enorme. De dentro da porta havia várias moedas de ouro que o deixou completamente atônito. Zé Canivete não tinha estudo e ao invés de mendigar, passou a comprar comida, cigarros e bebidas com as moedas de ouro que encontrou na porta. Ficou totalmente alucinado com a situação que enlouqueceu por completo.
Anos depois, a Prefeitura de Ouro Preto assumiu o controle do imóvel, reformando-o por inteiro. Após essa reforma, o imóvel passou a ser usado como residência de uma rica família. O casarão era enorme e para mantê-lo em ordem e organizado, necessitava de vários empregados. Assim foi feito. Vários empregados foram contratados pela família para cuidar e zelar do casarão. Entre esses empregados, uma cozinheira de nome Petronília e sua filha de uns 10 anos terão participação importante nessa história.
Foi numa tarde tranquila que a menina brincava de casinha com outra criança da família no porão do casarão. E como criança é criativa, viram um pequeno pedaço de pau fincado numa viga de sustentação do casarão e resolveram pegar esse tronco para servir de mesinha. Fizeram um esforço muito grande para tirar o tronco até conseguirem. AS meninas perceberam que ficou um buraco na viga e a curiosidade de criança instigou a menina a olhar melhor. No buraco tinha um papel envelhecido, enrolado a pedaços de carvão e cascas de arroz. Essa era uma técnica bem antiga para evitar que os escritos perecessem pela umidade.
Ao desenrolar o papel, viram que tinha vários desenhos e algumas palavras. A menina pegou o papel e foi pra cozinha mostrar para sua mãe, Petronília. Ela tinha pouca leitura, mas entendeu ser o mapa da indicação de um tesouro e foi correndo mostrar o papel para seu patrão. Este pegou o papel e como tinha cultura, conhecimento e estudo, leu e entendeu muito bem o que era. Pelas características do papel, da forma que foi encontrado e protegido da umidade, concluiu que o documento era autêntico. Petronília estava certa. Era o mapa de um tesouro. O homem deu pulos de alegria, além de dar balas e biscoitos para as meninas, como agradecimento.
Claro, debruçou sobre o mapa para tentar localizar o tesouro e concluiu que o tesouro estava próximo a uma antiga mina de ouro, já exaurida, na parte lateral da casa. Foi explorada no tempo da escravidão. Na entrada tinha um portão de ferro. Escavada pelos escravos, suas paredes tiveram reboco de adobe, uma mistura de barro com estrume de gado. Dentro da mina havia uma mesa e banquinhos de pedra e alguns objetos de uso dos escravos na época, como vasilhas e outros utensílios.
O patrão sabia que o imóvel era da Prefeitura e diante de uma provável fortuna, decidiu manter em segredo o mapa e mobilizou todos da casa para ajudarem na busca do tesouro e claro, prevalecendo à lei do silêncio. Ninguém podia saber de nada. Para evitar suspeitas, as buscas pelo tesouro eram feitas à noite.
Arriscaram na investidas, mesmo sabendo do risco em entrar numa mina abandonada, geralmente habitada por cobras e outros bichos peçonhentos. Tinha ainda o imaginário popular, que acreditavam que as almas dos escravos maltratados e que morriam nas minas, ficavam a atormentar e a perambular pelas dependências das minas, arrastando correntes, fazendo barulhos e assombrando as pessoas. Vale lembrar que naquela época não existia energia elétrica e entrar numa mina dessas à noite, com lampião, era para quem tinha muita coragem. Mas ali tinha um tesouro e pelo vil metal, não tem cobra e nem fantasma que impeça o homem de encontra-lo.
Sabendo disso, o patrão chamou um benzedor e antes de entrarem na mina, rezavam e se benziam muito. Assim se sentiam mais protegidos.
E assim foi. Foram dias e dias de escavação, tirando toneladas de terra até faltar pouquinho, alguns metros para chegar ao ponto onde o mapa indicava haver o tesouro. Só que um dos empregados da casa, vendo aquilo tudo e pelo visto não achou correta a atitude do patrão de esconder da Prefeitura a existência do tesouro numa propriedade que era do município. Resolveu então procurar o prefeito da cidade e contou tudo.
Ao saber do fato, o prefeito ficou irritadíssimo por ter confiado um imóvel à família. Resolveu verificar a situação. À noite, subiu até o Morro da Forca e com o uso de um binóculo avistou a Casa dos Inconfidentes e realmente comprovou que estavam retirando terra de uma antiga mina e concluiu que o empregado falou a verdade.
No dia seguinte, bem pela manhã, estava lá o prefeito bravo com a família e não foi sozinho. Foi acompanhado de autoridades policiais. E não teve muita conversa não.
O prefeito deu 24 horas para que a família saísse do imóvel da Prefeitura. Em meio à confusão e bate boca, a esposa revoltada com tudo que estava acontecendo, pegou o mapa escondido e botou fogo. Eles saíram do imóvel, com o sonho de riqueza frustrados, mas sem o mapa, ninguém encontrava o tesouro. E não encontraram mesmo, tentaram, mas sem o mapa, não encontraram nada, só terra. E a história acabou sendo esquecida com o tempo.
Anos depois, a Prefeitura cedeu o imóvel à outra família, dessa vez pequena Tinham apenas um filho. Antigamente os filhos tinham que ir ás vendas para comprar o que os pais mandavam. Como o casarão era um pouco afastado do centro da cidade, era uma boa caminhada e o menino não gostava muito disso. Mesmo assim tinha quer ir. A mãe pediu para que ele fosse à venda comprar algumas coisas para ela. Já era noite e mesmo com o clarão da lua cheia, o menino não quis ir, por medo, mas teve que ceder diante da insistência da mãe. O pai estava no trabalho e só tinha ele então para ir.
O menino foi comprar as coisas e o marido ainda não tinha chegado. Ela ficou sozinha, naquele enorme casarão. Nesse momento começou a sentir um calafrio, ao ouvir passos fortes de botas pisando no assoalho de madeira. Ela estava de costas e sentia os passos mais fortes, se aproximando por trás. Já trêmula, arrisca a olhar para trás e vê um homem vestido com o uniforme dos alferes, com casaca e espada na cintura.
O homem olhou pra ela fixamente. A mulher tentou se mexer, encostou-se à parede e foi devagar tentando sair da sala, se apoiando na parede. Ao andar, deixava rastros molhadas na parede. O medo foi tanto que ela urinou. Mas não conseguia fazer nada. Ficou paralisada. Nem gritar conseguia. Até porque não tinha ninguém na casa, não ia adiantar nada.
Depois de olhá-la fixamente, o homem falou mais ou menos assim: “Aqui nessa casa, há mais de 200 anos, enterrei um tesouro e não consigo ter sossego até hoje. Fica ali, na lateral da casa, numa mina abandonada. Tire esse tesouro da mina para eu ter sossego.”
Mesmo em pânico e colada na parede, conseguiu coragem para abrir a boca e meio gaguejando de medo, perguntou:
- Quem é o senhor? E ele responde:
- “Minha senhora, meu nome é Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes”.
Ao ouvir isso, nem urina a mulher tinha mais, ficou verde, trêmula e caiu desmaiada no assoalho da sala.
Quando o filho e o marido chegaram a casa, encontraram a mulher desmaiada e desacordada. Tentaram reanima-la até que ela voltou a si. Meio atordoada, demonstrando desequilíbrio e medo ainda, conseguiu falar o que viu. Ganhou foi uma boa risada dos dois. Não acreditaram em nada. Levaram ela para o quarto para que se acalmasse.
Eles não acreditaram, mas essa história chegou aos ouvidos do povo, bem como a história do mapa encontrado pela família que viveu no casarão antes. E sabe como é o povo né. Falou em dinheiro, aparece gente de todos os lados para tentar conseguir algum. Sempre foi assim. E foi só chegando gente com picaretas na mão para escavar e encontrar o tesouro do Tiradentes, numa escavação desenfreada, alucinada e louca.
A situação chegou ao ponto de a Prefeitura e autoridades policiais ter que intervir de forma enérgica mesmo para retirar as pessoas de lá. Se não tivessem agido, com certeza um dos grandes patrimônios da cidade teria sido destruído por completo pela insanidade de pessoas, que acreditando ou não na história, dão uma de São Tomé, quer ver para crer.
Mas o instinto de preservação do ouro-pretano falou mais alto. As autoridades agiram sempre com energia para evitar a destruição e preservação do patrimônio histórico da cidade.
O casarão chegou a ser usado como alojamento para hóspedes da Prefeitura. Desde 2010 é Museu e totalmente administrado pela Prefeitura Municipal. Foi totalmente restaurado e é muito bem cuidado, preservando assim um pouco da história de Ouro Preto, da Inconfidência Mineira, contada em fatos, fotos, móveis, objetos domésticos, vestimentas, etc. Neste Museu, os s visitantes conhecem parte do cotidiano da vida de uma família ouro-pretana dos séculos XVIII e XIX.
Além disso, a direção do Museu Casa dos Inconfidentes promove diversas ações voltadas para a comunidade local e ações culturais com oficinas de arte e história, palestras, tardes culturais.
O Museu Casa dos Inconfidentes fica à Rua Engenheiro Correa, s/nº, Vila Aparecida, Ouro Preto. Telefone: 3551-2739. Horário de Funcionamento: segunda a sábado, das 10h às 16h.
(Texto de Arnaldo Silva, com fotografias de Ane Souz)