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domingo, 11 de março de 2018

O Santuário de N.S. da Agonia em Itajubá

(Por Cássia Almeida/de Maria da Fé MG) A Igreja de Nossa Senhora da Agonia fica em Itajubá, no Sul de Minas Gerais. Construção iniciada em 1998, no alto de um monte, em terreno doado pelo português radicado no Brasil, Antônio de Lima Costa.  (na fotografia acima do Leonardo Souza/@jleonardo_souza_srs)
          Em 2005, tiveram início as celebrações no imponente Santuário, revestido de vidro em toda a sua estrutura, com uma enorme cúpula chamada de "Coroa de Nossa Senhora". (na foto acima de Jô Casarini, vista noturna do exterior da Igreja)
               A imagem de Nossa Senhora da Agonia, também doada pelo português, foi entalhada em Portugal e ocupa o altar principal. No porão do Santuário está a Capela de São José. Único no Brasil e segundo no mundo, desde sua inauguração, o Santuário, de rara beleza, atrai centenas de devotos e fiéis de Itajubá, região e de vários outros lugares do Brasil e exterior. (foto acima do interior da Igreja e abaixo, da parte externa, de autorias de Rogério Salgado)
20 de agosto – N. Sra. da Agonia - Padroeira dos Pescadores
          Origem e significado de “Agonia” A palavra agonia tem sua origem na angustiante luta entre os gladiadores na Roma antiga. Por isso, a Virgem Maria passou a ser invocada por pescadores de Viana do Castelo em Portugal, como nossa Senhora da Agonia. Eles passaram a usar o título “da Agonia” pelo fato de enfrentarem sempre a grande luta contra os perigos do naufrágio.
Imagem de Nossa Senhora Aparecida.
          Fica na Estrada José Benedito Guimarães, km3 - Mourão, em Itajubá (16 km da rodoviária). A imagem (na foto acima de Cássia Almeida) foi inaugurada em 12 de outubro de 2002 e foi construída a pedido de Hélio Marcos Ribeiro Fortes. Imponente, tem 7 metros de altura e possui em seu interior uma pequena capela. O melhor acesso é por Piranguinho, seguindo 5 km por estrada de terra, após a ponte de ferro. 

sexta-feira, 9 de março de 2018

Passeie conosco pelos pontos turísticos de Tiradentes

(Por Arnaldo Silva - Com fotos de César Reis) Aos pés da Serra de São José, está Tiradentes. Com 8 mil habitantes, é um dos mais importantes patrimônios culturais, não só de Minas, mas do Brasil. Tiradentes é a cara de Minas, do interior mineiro em sua beleza e simplicidade. Tem história, uma gastronomia fantástica, muita cultura, tranquilidade. Essas qualidades da cidade atraem todos os dias turistas.
          Até chegar ao nome atual, a cidade foi denominada de "Arraial Velho de Santo Antônio", e "Vila de São José do Rio das Mortes" e cidade de São José Del Rei e São José, em homenagem ao Rei de Portugal, Dom José I. Somente em 1889, com a Proclamação da República, a cidade passou a se chamar Tiradentes, em homenagem ao Alferes e Mártir da Inconfidência Mineira.

          Cada rua, cada museu, cada igreja, ou praça tem uma história diferente para contar. o povo é muito acolhedor e recebe o turista com muito carinho que se encantam com tudo, a beleza da natureza e sua arquitetura magnífica. São sete igrejas, cinco passos da Paixão de Cristo, belíssimas construções barrocas e um conjunto urbano tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAM) em 4 de abril de 1938.
           Fundada em 19 de janeiro de 1718, são mais de 300 anos de história pura. Distante 190 km de Belo Horizonte, Tiradentes faz divisa com os municípios de Prados, Barroso, Dores de Campos, São João del-Rei, Santa Cruz de Minas, Coronel Xavier Chaves e fica na região do Campo das Vertentes.
          Apesar de ser uma cidade pequena, tem um fluxo enorme de visitantes diários, vindos de todas as cidades de Minas, do Brasil e até do exterior. Isso graças ao patrimônio histórico preservado, sua gastronomia, artesanato riquíssimo e seus eventos anuais que a cada ano, atraem mais turistas para a cidade. São atrações diversas que incluem cinema, fotografia, Bike Fest e o mais famoso evento da cidade, que é o festival de gastronomia, realizado durante 15 dias, entre o final de agosto e início de setembro. É um dos maiores festivais gastronômicos do pais.
          A cidade tornou-se um dos centros históricos da arte barroca mais bem preservados do Brasil, por isso voltou a ter importância, agora turística, na metade do século XX, foi proclamada patrimônio histórico nacional tendo suas casas, lampiões, igrejas, monumentos e demais partes recuperadas.
Principais pontos turísticos
- Matriz de Santo Antônio
          Tiradentes tem dentre suas igrejas a Matriz de Santo Antônio, construída em 1710 é a segunda igreja em ouro do Brasil, sendo a primeira em Salvador (BA), é uma das mais belas construções barrocas do país. No interior do templo há um órgão datado de 1788, considerado um dos quinze mais importantes do mundo.
- Câmara Municipal

          Localizada próxima à Matriz, na ladeira que é caminho para esta, construída em meados do século XVIII, servia para abrigar a administração pública no período colonial e imperial. A Câmara Municipal de Tiradentes foi construída longe da cadeia pública, o que é incomum na maioria das cidades do século XVIII.
- Antiga Cadeia Pública
          Construída em 1833 e 1845, no local da velha cadeia incendiada, é um prédio sólido e austero com janelas de cantaria protegida por pesadas grades. A Vila de São José foi uma das poucas a possuir a cadeia em prédio próprio, separada do prédio da Câmara Municipal.
- Casa da Cultura

          Foi construída no século XVIII, possui microfilmes de 280.000 documentos do acervo da Arquivo Ultramarino de Portugal e referentes ao Brasil Colonial.
- Fundação Oscar Araripe
          Realiza exposições de pintura temporárias e permanentes de seu acervo.
- Calçamento

          Várias ruas da cidade contam com calçamento singular, em pedra capistrana.
- Monumento a Tiradentes
          Localizado no Largo das Forras, segundo monumento a homenagear o herói da Inconfidência, construído 1892, pelo povo tiradentino, quando se celebrou o aniversário da morte do Alferes.
- Nossa Senhora das Mercês
          Capela rococó do final do século XVIII, com um único altar multicolorido, dois belos forros com pinturas em estilo rococó, cenas alusivas à Virgem Maria e imagem da padroeira. (na foto ao lado o altar da igreja) Pertencia à irmandade dos pretos crioulos, ou seja, os pretos nascidos no Brasil. Toda a pintura da capela foi executada por Manoel Victor de Jesus, pintor mulato, falecido em 1828, é datada do início do século XIX.
- São João Evangelista
          Capela pertencente à irmandade dos Homens Pardos (mulatos), tem fachada simples e três altares em seu interior. Os altares laterais são em estilo rococó, datáveis do princípio do século XIX e o altar-mor possui fragmentos de talhas de vários estilos. Guarda a Igreja um conjunto de imagens de um mesmo santeiro, sendo o seu calvário composto por peças de mais de dois metros de altura. Ali está enterrado o compositor Capitão Manoel Dias de Oliveira. A capela só foi concluída no século XIX, quando foi aberta ao culto.
- Capela do Bom Jesus

- Capela do Senhor Bom Jesus da Pobreza
          Capela de dimensões modestas e decoração singela, mas notável pela sua estatuária e como exemplo da interpretação popular do estilo Barroco.
- Nossa Senhora do Rosário
          Capela construída em cantaria (pedra), em lugar da capela primitiva, tem três altares de talha de meados do século XVIII e os santos negros São Benedito, Santo Antônio de Cartagerona e Santo Elesbão.
- Casa do Padre Toledo
          Hoje Museu Casa de Padre Toledo é um museu da Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, ligada à UFMG. O prédio é uma construção do final do século XVIII, com esquadrias em cantaria lavradas, sete forros pintados, destaca-se aquele que representa os cinco sentidos, com figuras da mitologia grega. Nesta casa morou Padre Toledo, um dos cabeças da Inconfidência Mineira. Foi um dos locais onde se conspirou em 1789.
- Santuário da Santíssima Trindade

          Sua construção data de 18 de outubro de 1822. Nesta igreja ocorrem anualmente o Jubileu da Santíssima Trindade.
- Chafariz São José

          Construído em 1749 para abastecer com água potável a cidade, além de ser usado para lavar roupas e dar água aos animais, antigamente, o Chafariz de São José fica no início da ladeira que leva à Igreja Matriz. A água chega até o chafariz por um aqueduto construído pelos escravos da época. O aqueduto traz a água de uma nascente a 1 quilômetro de distância, no Bosque Mãe D´Água, que fica atrás do chafariz de São José,  em funcionamento até hoje.
- Estrada de Ferro Oeste de Minas
          A Estrada de Ferro Oeste de Minas que atualmente liga São João del-Rei a Tiradentes, foi inaugurada em 1881, pelo Imperador Dom Pedro II. Seu traçado original era de 720 km, hoje resumidos apenas a 12 km, ligando São João Del Rei a Tiradentes.  O trem é puxado por locomotivas a vapor popularmente conhecidas por "Maria Fumaça", datadas do século XIX. Os trens partem nas Sextas, Sábados, Domingos e feriados são 10h e 15h de São João del-Rei e 13h e 17h de Tiradentes.
- Órgão da Matriz de Santo Antônio
          O órgão de Tiradentes foi encomendado pela Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1779, por 202 mil réis (moeda da época), na cidade do Porto, em Portugal. Historiadores divergem quanto o país e local de sua construção, mas provavelmente foi fabricado na Francônia, no Sul da Alemanha e enviado para a cidade do Porto em 1788, para ser enviado ao Brasil. Há também historiadores que apontam sua construção para a própria cidade do Porto, construído pelo português Simão Fernandes Coutinho entre 1786 e 1778.
          Este órgão tem 4 oitavas e 15 registros, sendo 8 para a região aguda e 7 para a grave, não possuindo pedal.
          O órgão ficou na cidade do Porto até 1788, quando foi enviado para Tiradentes, chegando no Porto de Paraty RJ e seguindo para Minas em comboio de carros de bois pela Estrada Real.
          Somente em 1798 que o órgão foi tocado pela primeira vez. Coube ao organista Francisco de Paula Oliveira Dias a tarefa de tocá-lo. Em 1977 foi inteiramente restaurado por Manfred Thonius, construtor de órgãos da Francônia, que veio ao Brasil para esse restauro, sendo reinaugurado em 22 de abril de 1978. É usado todas as sextas-feiras em concertos e nas missas de sábados.
- Relógio Solar de Tiradentes
          Sua origem é do século XVIII, sendo este relógio de Tiradentes, um dos mais antigos do Brasil. Foi construído em pedra sabão e possui 40 cm de diâmetro. Era um modelo na época e tinha o nome de Relógio Equatorial porque o mostrador é inclinado, paralelo ao equador terrestre, as linhas das horas tem um espaçamento uniforme entre si (15 graus) e o estilete (gnomon) é paralelo ao eixo de rotação da terra formando com o horizonte, um ângulo igual ao valor da latitude local.
- Balneário de Águas Santas
          São fontes termais de águas radioativas e medicinais, localizadas do outro lado da Serra de São José, num com infraestrutura completa com hotéis, restaurantes e área de lazer.
- Cultura e Artesanato

          Na cidade acontece anualmente, desde 1998, a Mostra de Cinema de Tiradentes, com exibição de curtas e longas-metragens.
Em Tiradentes pode-se encontrar artesanato em madeira, pedra sabão, latão, folha de flandres, tecelagem prata de boa qualidade e originário de toda região.
- Gastronomia
          Os doces mineiros também podem ser degustados em diversas casa como: canudo de doce de leite, doce de leite, ambrosia, biscoito de amendoim, pé de moleque, entre outros. (na foto acima vemos o saudoso Chico Doceiro, um dos mais importantes doceiros da cidade) A culinária local presa os pratos mineiros como o feijão tropeiro, tutu mineiro, frango a molho pardo, frango com "ora pro nobis" (erva trepadeira com grande teor nutritivo).
- Trilhas
          Tiradentes além de sua beleza arquitetônica, cultural e de sua gastronomia, atrai cada dia mais adeptos praticantes de esportes principalmente quem adora trilhas. Tem trilhas para bikes, motos, cavalgadas e caminhadas. E vale a pena porque a beleza natural em redor é gratificante, com matas nativas, cursos d´água, cachoeiras e atrativos históricos pelo caminho como a Calçada dos Escravos.
Todas as fotos desta edição são de de autoria de César Reis

domingo, 4 de março de 2018

Ingredientes históricos e simbólicos na cozinha mineira

(Por Romilda de Souza Lima) “Aceita um pãozinho de queijo com café? Acabou de almoçar? Então um doce de leite? Um pedaço de goiabada com queijo? Pelo menos um café? Não há pior desalento do que estar desprevenido, mesma em rápidas passagens de amigos pela casa de um mineiro. Só um convite para um lanche ou para um jantar bem preparado pode reparar tal heresia.”
          Começo este ensaio com um trecho do livro da minha querida amiga, Mônica Abdala, professora, socióloga e especialista nos estudos da comida mineira e que escreveu um livro delicioso sobre o tema: “Receita de Mineiridade – a cozinha e a construção da imagem do mineiro” publicado pela primeira vez em 1997 e que me forneceu muitos insights. Foi aperitivo fundamental para eu pensar o tema de minha tese de doutorado, sobre as práticas alimentares e sociabilidades em famílias rurais da Zona da Mata Mineira, defendida em 2015.
          No imaginário popular o mineiro é o tipo que come devagar e que é apegado às tradições alimentares e que gosta de mesa farta. A comida mineira é considerada – por mineiros e por não mineiros – como uma das melhores do país. Essa fama vem se confirmando por anos e, atualmente, é uma das culinárias onde há maior investimento público e privado para valorizá-la, fortalecendo Minas Gerais como um destino turístico gastronômico de grande relevância. Só para citar alguns festivais culinários – ou gastronômicos – que já acontecem há alguns anos, podemos destacar o Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes; a Festa do Pastel de Angu, em Itabirito; o Festival da Quitanda, em Congonhas; Festival Sabores da Roça, em Extrema; Festa do Pé de Moleque, em Piranguinho; o Festival da Cachaça em Salinas; O Festival Igarapé Bem Temperado, em Igarapé; o Festival do Queijo Canastra, em São Roque de Minas; a Festa do Café com Biscoito em São Tiago; o Festival de Comida e Cultura da Roça, em Gonçalves; Festa da Goiabada em Ponte Nova; 7º Festival de Cachaça Artesanal do Vale do Piranga, também em Ponte Nova; Festival da Jabuticaba, em Sabará; a Festa da Manga Ubá, em Ubá. Há muitos outros festivais e festejos – antigos e recentes – que se espalham por todo o Estado e cada qual com suas peculiaridades e iguarias culinárias.
          Em Minas, há até mesmo data comemorativa do “Dia da Gastronomia Mineira”: 05 de julho, em homenagem ao professor e escritor Eduardo Frieiro, nascido neste dia, em 1889, na cidade de Matias Barbosa e falecido em 1982. Frieiro é autor do livro: ”Feijão, Angu e Couve – ensaio sobre a comida dos mineiros”, publicado em 1950. Junto com alguns outros, foi meu livro de cabeceira durante a elaboração de minha pesquisa. 
          Discorrendo sobre a comida mineira dos tempos do auge da mineração, Eduardo Frieiro relata que a banha de porco ocupava lugar central na culinária e que o feijão e o toucinho eram companheiros inseparáveis na boa mesa mineira. “O toucinho dá substância ao feijão, podia agregar-se. Sem a banha que o tempera, seria comestível o feijão nosso de cada dia? A comida tradicional dos mineiros nada em banha de porco. Dos assados e frituras, de todos os guisados e ensopados, das sopas, dos molhos e farofas pinga a gordura em que são preparados” (FRIEIRO, 1982, p. 156).
          Praticamente em todas as casas mineiras nesse período – fosse na cidade ou no meio rural – havia um chiqueiro para a engorda de, pelo menos, um porco caipira, cujo objetivo principal era mitigar o problema da fome surgida durante a fase da mineração. Surgiu daí o hábito de consumir a carne, a gordura e o uso de outras partes do animal adicionadas ao feijão, que se constituía em alimento de grande valor energético e proteico, muito usado em função disso como alimento dos escravos. 
          Hábito este que permanece até os dias atuais entre os agricultores que entrevistei para minha pesquisa. Cozinha-se o feijão, o arroz e refoga-se a verdura, todos usando a gordura de porco. Além, é claro, de usar a gordura para manter a carne do porco abatido em conserva por longos períodos fora da geladeira – conhecido como “porco na lata” ou “porco de lata” mesmo que em todas as casas existam geladeira. 
          Em todas as casas que visitei havia também o fogão a lenha que era utilizado todos os dias para o preparo do almoço e alguns aqueciam a serpentina do chuveiro. O fogão a gás também estava na cozinha. Coadjuvante, ele servia para substituir o a lenha no preparo do café da manhã, enquanto o fogão ainda não estava aceso. Estamos falando então do modo mineiro de se alimentar, de manter uma tradição que está diretamente ligada ao gosto construído culturalmente e perpetuado no interior do Estado.
          Assim, como a criação do porco caipira, o cultivo da horta teve papel fundamental para a região mineradora na fase de escassez de alimentos. Ela era cultivada nos quintais de todas as casas para garantir o acesso nas refeições o acesso a legumes, frutas, hortaliças e tubérculos. Passada a fase da escassez alimentar em Minas, as hortas permaneceram sendo cultivadas. As razões são, sobretudo, culturais e simbólicas, mas também pela praticidade de ter a hortaliça à mão. Até porque, acesso ao mercado não é tarefa das mais simples, como pude observar entre as famílias que pesquisei. Ter uma horta “bonita” é motivo de orgulho para as mulheres, as principais cuidadoras desse espaço. 
          Alguns meses de minha pesquisa de campo – novembro e dezembro de 2014 e janeiro de 2015 – houve forte estiagem na região, o que fazia com que muitas hortas estivessem comprometidas e com baixa produção. Apesar disso, em todas as hortas havia a couve. Era a hortaliça mais resistente e alimento de todo dia, acompanhado de angu, arroz, feijão e, quase sempre, frango; o que me fez refletir sobre o título do livro de Eduardo Frieiro: “Feijão, Angu e Couve”. Ontem e hoje, são alimentos cotidianos na mesa dos mineiros, sobretudo, do interior.
          Frieiro, após as pesquisas sobre a alimentação da fase mineradora até meados da década de 1950, sugeriu alguns dos alimentos que considerava possível serem caracterizados como típicos de Minas Gerais. A sugestão se deu em função da peculiaridade de seus preparos, são eles: o tutu de feijão com torresmo ou linguiça, o lombo de porco assado, a couve cortada fina e refogada e o angu sem sal.
          Mas então, o que tem de tão especial na comida mineira se tudo é tão simples? Para muitos amigos e amigas não mineiros trata-se do tempero (muito alho, colorau, cheiro verde) e do jeito que tem de “comida de todo dia”, da “comida de mãe”, da “comida de avó”.
          João Camillo de Oliveira Torres, professor e historiador, em seu livro “O Homem e a Montanha – introdução ao estudo das influências da situação geográfica para a formação do espirito mineiro”, publicado em 1943 e vencedor do Prêmio Diogo de Vasconcelos de Erudição, da Academia Mineira de Letras, nos fala também de suas investigações sobre a comida mineira. O autor aponta o café como sendo a bebida principal no dia a dia e para servir às visitas; e a cachaça – que se hoje ocupa espaço central em muitos restaurantes e bares – no cotidiano das famílias mineiras não era, nos tempos de outrora, bebida para servir às visitas. 
          De minha parte, como boa mineira, mesmo morando no Paraná, tenho sempre uma legítima cachaça mineira em casa e a uso como ligação afetiva na decoração, mas também, e muito, no tempero de carnes e outros pratos. Bem destacado pelo autor é que uma das características do jeito mineiro de ser, e de comer, é que “o mineiro nunca se preocupou muito com refinamentos e complicações”, mas em não faltar comida boa em casa, e, se possível, que seja farta e, preferencialmente, que as refeições sejam feitas em família, ainda que hoje isso seja possível quase que somente aos domingos. “Quanto ao menu, este brilha pelo peso, pela quantidade: tutu de feijão com linguiça, pernil de porco assado, goiabada com queijo, cobu de fubá e uma infinidade de outros pratos; jantar demorado e sobremesas alegres” (p.101). 
          Outro destaque do autor é dado ao do milho e seus derivados na cozinha mineira. Não por acaso o angu, a canjiquinha, a broa de milho com erva doce e o curau de milho doce reinam absolutas dentre as iguarias mineiras à base de milho.
          Bem, minha pesquisa de doutorado me mostrou que pelo menos na região em que estudei, poucas mudanças têm ocorrido nos hábitos alimentares das famílias rurais – embora não tão rurais assim, considerando que muitas pessoas, sobretudo, mulheres jovens trabalham na área urbana e continuam morando no rural. Não tem havido propriamente mudanças nos hábitos alimentares, mas adaptações necessárias e que não são acríticas. 
          As adaptações, as mudanças e as permanências nas práticas alimentares são adotadas desde que atendam aos interesses da família, e não por modismos. Por exemplo, o arroz, o feijão, a gordura de porco, a couve e o angu estão todos os dias na mesa dessas famílias no almoço e no jantar. 
          Na manutenção dos hábitos alimentares tradicionais está presente a influência dos guardiães da tradição na reprodução do gosto, no processo de significação e ressignificação da comida atrelada às práticas, aos saberes e aos hábitos, tanto no cotidiano quanto nas comidas de dias festivos. A constância das expressões: “aprendemos a comer assim”, “aprendi a cozinhar vendo minha mãe fazer”, “na casa de meus pais, fazia assim”, denotam a valorização dos aprendizados e o interesse na perpetuação dos hábitos.
           Por outro lado, a necessidade de conseguir fazer coexistir modos tradicionais e modos modernos não significa desvalorização cultural e recorro ao pensamento de Néstor Canclini. Não se trata “nem de transplante alienado, nem de desajuste com a própria realidade: tentativas de organizar o mundo moderno sem abdicar da história” (CANCLINI, 2008, p. 117). Apesar de estarem inseridas na dinâmica contemporânea de mudanças, a vida cotidiana ainda segue um ritmo lento, que, de certa forma difere do ritmo das áreas urbanas, o que permite ainda este status central da comida em sua cultura.
          Mas como estou falando de área rural, é preciso refletir sobre o urbano. A comida mineira continua sendo a mesma nas mesas urbanas? Tem ocorrido mudanças drásticas? Os imóveis habitacionais modernos, que reduzem cada vez mais o espaço da cozinha, permite a manutenção da comida mineira? Ou sua degustação está reservada hoje aos restaurantes especializados e aos festivais culinários e gastronômicos? 
          Bem, isso é assunto para um outro texto, mas não resta dúvida de que na vida moderna, as festas e festivais gastronômicos e os restaurantes especializados nessa culinária colaboram ricamente para a manutenção do patrimônio da culinária mineira stricto sensu. Uma questão importante a observar é que o retorno ao tradicional, principalmente no que se refere à comida tem sido marcante na gastronomia moderna, mas na mesma ideia de Canclini acima, os/as cozinheiros/as contemporâneos tentam associar a cozinha moderna aos seus elementos tradicionais. 
          Até porque, como pondera o autor, a busca por aspectos da tradição e do passado pode ser um importante recurso a ser utilizado para compreender as contradições contemporâneas. Talvez isso ajude a explicar a expansão dos festivais gastronômicos em Minas. Muitos municípios e regiões querem ocupar seu espaço político e cultural nas especialidades da cozinha mineira.
          É preciso levar em consideração que a comida mineira tem em sua composição, como já sinalizado no texto, um ingrediente histórico e simbólico muito forte que influenciou e atribuiu particularidades à comida, o que a difere de algumas outras cozinhas regionais. A herança dos tempos da mineração e a construção dos modos mineiros de cozinhar e de se alimentar estão fortemente atrelados aos períodos por quais passaram a economia mineira desde seu povoamento, com fases de escassez de alimentos e fome (o período da mineração) à fase de fartura (ruralização), e, posteriormente à fase da industrialização. Esses ciclos interferem diretamente no que vem ser a chamada “comida mineira”, ou “cozinha mineira” para quem preferir. São fatos históricos determinantes na composição alimentar e que forjaram culturalmente a cozinha mineira tal como ele é.
Romilda de Souza Lima, é mineira, radicada no Paraná, professora universitária e pesquisadora 
Universidade Estadual do Oeste do Paraná; Pesquisadora Associada da Rede Ibero Americana de Pesquisa Qualitativa em Alimentação e Sociedade​; Pesquisadora da Rede Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar; Grupo de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional
Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Rural; Grupo Interdisciplinar e Interinstitucional de Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento Sustentável
Referências
ABDALA, Mônica Chaves. Receita de mineiridade: a cozinha e a construção da imagem do mineiro. 2.ed. Uberlândia: EDUFU, 2007. 180 p.; CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. São Paulo: EdUSP, 2008; FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: Edusp, 1982. 227 p.; LIMA, Romilda de Souza. Práticas alimentares e sociabilidades em famílias rurais da Zona da Mata Mineira: mudanças e permanências. UFV: Viçosa/MG. Tese de doutorado. 2015. 204 p.; LIMA, Romilda de Souza. Nem tão mudado assim: a comida e os jeitos de comer no rural mineiro. Editorial Académica Española. 2017. 225 p.; TORRES, João Camillo de Oliveira. O homem e a montanha: introdução ao estudo das influências da situação geográfica para a formação do espírito mineiro. Historiografia de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. 220 p. (Série Alfarrábios. Edição comentada por Francisco Eduardo de Andrade e Mariza Guerra de Andrade).

sábado, 3 de março de 2018

Queijo Dinho: a história de um queijo na Canastra

(Por Igor Messias*) Que a gente tenha lembrança é a partir do Dinho, nosso pai. Era uma vida simples na fazenda Água Limpa. Energia só não tínhamos a elétrica e vivíamos bem felizes! Pegar vaga-lume, aprender a nadar no Ribeirão das Minhocas com boia de cabaça e vigiar cada pé de fruta no mato pra saber quando madurava. 
          O Allan não desgrudava do pai. Quando tinha oito anos arrumou um balde velho e umas cordas roídas e falou: - Vou ajudar o senhor a tirar leite! 
          No começo o Dinho tentou desanimar ele, pois era muito novo ainda, mas não adiantou nadinha! Em pouco tempo ele estava no meio da vacada,ordenhando aquelas da tirada melhor, que desciam o leite mais fácil. 
          O queijo era como um irmão, pois assim como em quase toda a Serra da Canastra, havia na nossa casa o quartinho do queijo, onde nossa mãe Ângela os espremia nas fôrmas e ali descansavam até serem vendidos na feira de domingo. 
          Mas os pastos minguavam muito ao avançar da seca e o Dinho tangia boiada e família para a fazenda da Serra. Um lugar mais rústico ainda! Lá tinha até onça, daquelas pardas. 
          Nesse lugar tínhamos conosco nosso saudoso avô Antonio Boiadeiro, dono da genética Gir do rebanho e de um galo tão veiaco que só arriscava cantar quando percebia que o fogão à lenha ardia cavacos na escura madrugada.
Avô Antonio Boiadeiro e nosso pai Dinho no alto do chapadão da Fazenda da Serra. Foto: Igor Messias
          Tomar banho no ribeirão da Cachoeira do Lobo, espremer queijo e fazer tijolo de adobe para reformar a tapera. As caminhadas do vovô na boca da noite e avelha Brasília branca jogando lama pro alto nos atoleiros. Quantas boas lembranças!
Velha tapera de adobe na Fazenda da Serra . Foto: Igor Messias
          Mas assim como o Velho Chico, que nasce pequeno na Canastra e se torna grande no sertão, nós também crescemos e tocamos nossas vidas. Fui pra longe estudar e trabalhar e o Allan voltou para a Água Limpa onde nascemos: reformou pasto, apurou a raça do gado e fez curral novo.
          Nessas alturas já contava com sua esposa Valéria na lida diária e um dia colocaram na cabeça que era hora do irmão queijo também crescer e construir sua própria história. Ele então saiu do seu quarto e foi morar numa casa só dele pouco acima do curral, uma tal de queijaria, feita no capricho bem no pé da serra para absorver todo o terruá do lugar.
A casa nova do irmão queijo: uma queijaria ao pé da serra. Foto: Igor Messias
          Ele ainda não achou a goiabada certa pra se casar, mas assim como nós, também tratou de se registrar pra virar gente.Acreditou que a união faz a força e se juntou à Associação de Produtores de Queijo Canastra – APROCAN, à SerTãoBras, arrumou a papelada e foi ao Instituo Mineiro de Agropecuária – IMA atestar que o seu leite vem de vacas sadias e que é produzido com todo cuidado e higiene necessárias. 
          Vestiu roupa nova, ganhou prêmios, apareceu na TV, ficou famoso e agora convida todo mundo pra ir lá na sua casa conhecê-lo e experimentá-lo em seus diversos pontos de maturação.
Na foto, o Queijo Dinho, com a medalha de bronze no Mondial du Fromage, maior concurso de queijos do mundo, realizado na França.
          Valendo-se da máxima de que família não é sangue, família é sintonia, o irmão queijo não tem uma só mãe, mas várias delas, que são as vacas de onde virá o leite cru para sua composição, pois sua qualidade começa na comida que é servida a elas, que se alimentam na maior parte do tempo de pastos verdes, tem a companhia de seus bezerrinhos durante todo o período de lactação e para o seu bem estar são ordenhadas somente uma vez ao dia, sempre bem cedinho, junto do raiar do dia.
Ordenha ao raiar do dia na Fazenda Água Limpa, em Piumhi/MG . Foto: Igor Messias
          Logo terminada a ordenha o leite é levado até a queijaria, onde será adicionado o coalho, para que ocorra a coagulação, e o pingo, o grande segredo do nosso irmão queijo. O pingo é o líquido que escorreu dos queijos feitos no dia anterior e contém um exército de boas bactérias que vão ajudar o queijo do dia seguinte a ter uma maturação tranquila no futuro, pois nisso ele também é igualzinho a nós: é um ser vivo! Isso mesmo, o seu leite não passa pelo processo de pasteurização que tudo mata e conserva as bactérias locais que dão identidade a ele, como se fosse uma impressão digital sob a forma de textura, aroma e sabor que o torna único, diferente de todos os outros!
          Uma vez que o leite coagulou, a massa é colocada em panos finos e fôrmas, espremido e finalmente adquire o formato que lhe acompanhará para o resto da vida.
Queijos frescos logo após o nascimento.  Foto: Lucas Rodrigues / Arte: Roberto Betcke 
          Após dois dias o queijo é desenformado e levado para prateleiras de madeira, onde receberá cuidados diários até que esteja maturado, ou como se diz na roça, curado. É nesta fase que ele adquire as características que o tornarão único e que nos faz observar outra semelhança muito grande do irmão queijo conosco:ele às vezes se cansa da própria imagem e resolve mudar seu visual. Antenado na moda que só, ele veste uma roupa nova a cada estação. Nas cores vai do amarelo ouro ao branco neve. Na textura vai do liso sabão ao enrugado casquinha, tudo isso dependendo das condições climáticas de cada época do ano. 
O queijo e suas muitas formas de se apresentar.Fotos: Lucas Rodrigues / Valéria de Oliveira / Daniel Martins
          Mas todo esse trabalho com a aparência não seria nada não fosse o mais importante: o sabor! E chegamos então na parte final e mais gostosa dessa nossa prosa. A hora de preparar apresentações, pratos e combinações com o Queijo Dinho e servir aos amigos, familiares, clientes ou comer sozinho escondido, tanto faz.
Na hora do café, em sua versão meia cura ou maturado fica delicioso acompanhado de um doce de leite ou uma goiabada cascão.
Romeu e Julieta, a mais perfeita e mineira combinação entre doce e salgado. Foto: Lucas Rodrigues
          Na hora de receber os amigos para descontrair, sua versão extra maturada harmoniza muito bem com cervejas artesanais e vinhos especiais.
          E para compor aquela mesa e impressionar em jantares e recepções, fica lindo fatiado desse jeito:
          Mas o Queijo Dinho não tem ataques de estrelismo e vai muito bem como coadjuvante, sendo excelente ingrediente culinário na preparação de diversas outras delícias, como massas, caldos quentes, grelhados e o famoso pão de queijo. 
          Esta então é nossa família e este que vos conta a história é um sujeito meio sangue letrado, meio sangue caipira, que saiu da roça mas a roça não saiu dele. Que tendo o umbigo enterrado na Água Limpa não terá outro destino se não o retorno. Enquanto isso, alivia os corcoveios da saudade contando essa e outras histórias onde houver ouvidos interessados, nesse mundo véio desaporteirado!
Igor Messias  do Queijos Dinho
          Mas e o tal do Queijo Dinho? Onde encontrá-lo? É muito fácil, pois ele é antenado com esse mundo internético. Basta digitar Queijo Dinho no Google Maps ou no Waze para chegar até a casa dele. Mas se você não for moderno como ele, saiba que fica entre Piumhi e Capitólio, bem pertinho do Lago de Furnas. Distante só 1,7 km da rodovia MG 050. A entrada é perto do pedágio, bastando ficar atento às placas ou então perguntar na região, pois ali todos o conhecem. Ele estará de 08:00 às 17:00h te esperando tranquilão na banca de fabricar queijos em Jacarandá entalhada pelo nosso bisavô Quinca.
Dinho com sua roupa nova sobre a banca de jacarandá do bisavô Quinca. Foto: Valéria de Oliveira
          Mas se você não sabe quando virá até a fazenda Água Limpa para experimentá-lo, pode pedir pela internet, WhatsApp ou encontrá-lo em diversos locais desse Brasil.
         O Queijo Dinho está presente em todas as redes sociais e também no whatsApp: (37) 99832 2380 / (37) 99969 9220 
Atualmente à venda nos seguintes locais:
Belo Horizonte-MG: Omilía Restaurante (31) 3643 1743
Rio de Janeiro-RJ: Queijo com Prosa (21) 99754 2407, Jeito Mineiro (21) 96455 6283 e Dariquim (21) 98992 0520
Ribeirão Preto-SP: Pedacinho da Canastra (16) 98186 1714
Brasília-DF: Café Canoa (61) 21915055
Curitiba-PR: Bioalere – Cozinha Afetiva (41) 99967 4409
Piumhi-MG: Celeiro da Canastra (37) 99995 5129
Capitólio-MG: Loja da Cachaça Sossegada (37)99948 0013
*Igor Messias é Engenheiro Ambiental, professor universitário e titular do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais – COPAM (2008 a 2016). Filho do Dinho da Serra da Canastra, onde desde 1972 produz com sua família o legítimo Queijo Canastra em Piumhi – MG

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Encomendação ou Folia das Almas

(Por Maria Mineira) Hoje em dia, esses costumes estão praticamente desaparecidos. No entanto, em meados do século passado, na região da Serra da Canastra, as tradições da Quaresma, eram seguidas com profundo respeito. O ritual acontecia em algumas localidades rurais como Guiné, Serrinha, Buracas, Beira da Serra... (foto acima de André Dib)
     Não se podia cantar alto, ouvir rádio, comer carne dia de sexta-feira, cortar cabelo, fazer pagodes ou mutirões. Era tempo de jejum, abstinência, penitência e rezas. Os santos eram cobertos com um pano roxo.
     Dizia-se que o “coisa ruim” ficava solto. Tempo perigoso de aparecer assombração, lobisomem e almas penadas, nas estradinhas e encruzilhadas que davam acesso às fazendas. Tais imagens povoavam o imaginário popular.(foto acima de André Dib)
     Um costume daquele tempo era a “Recomendação das almas Folia de almas, Tirar para as Almas”. São muitas variantes, mas o objetivo era encomendar as almas do purgatório aos cuidados de Deus, por meio de orações, a fim de aliviar-lhes as penas, para que alcançassem o descanso eterno.
     A encomendação era realizada as segundas e sextas-feiras da Quaresma, quando a escuridão se estendia pela encosta e o choro do velho monjolo se misturava ao canto do curiango a noite inteira. Os lobos uivavam no morro, a onça pisava sorrateira nas folhas da copaíba, farejando um bezerro desavisado no pasto.
     Homens e mulheres podiam participar. Todos reunidos ao redor do cruzeiro ao pé da serra. Envoltos em lençóis brancos, saíam às 10 horas da noite. O ritual consistia em visitar nove ou dez casas. Se a noite estivesse muito escura, podiam levar candeias ou lamparinas.
     Vovô Joãozinho e seu compadre Pedro, guardavam de cor as rezas e regras a serem observadas. Minha mãe, avó e as vizinhas sabiam os cânticos de cor e os entoavam emprestando ao ato um tom triste e piedoso. Com as matracas e os berra-bois, saíam de casa em casa; os encomendadores de almas, até a madrugada, com cantos fúnebres e arrepiantes.(fotografia de André Dib)
     O Capitão do grupo anunciava a chegada diante de uma residência, jogando um punhado pedras no telhado. A família não podia abrir a porta e nem acender as lamparinas. Jamais olhar pelas frestas, sob pena de ver seres do outro mundo. Quando alguém mais incrédulo se atrevia, levava pedradas. 
     Os moradores costumavam deixar uma gamela com quitandas numa mesa posta no terreiro. Dentro da casa, as crianças apavoradas, choravam de medo com o barulho das matracas. Até os adultos tremiam.(foto abaixo de André Dib)
     Meu avô Joãozinho, era o capitão e cantava:
—Acorda, acorda pecador!
     Lá dentro alguém respondia:
—Pecador num tá dormino!
—Assim como Deus num dorme,
—nóistamém num durmiremo.

     Todos ficavam quietos e rezavam em silencio enquanto lá fora a turma dos encomendadores dizia:
—Nessa casa mora gente
—Que vai ficá cum Deus!
     Sem jamais olhar para trás, lentamente caminhavam noite adentro cantando:
—Da vara nasceu a rama
—Da rama nasceu Maria
—Reza pras benditas almas
—Padre nosso, Ave-Maria!

     Acreditava-se que se alguém da procissão olhasse para trás, veria as almas, pois, estas seguiam o grupo até o final do percurso, aguardando a sua hora de ganhar salvação.
     Outra coisa interessante é que ninguém podia abrir porteiras ou colchetes. Era preciso passar por cima ou por baixo dos mesmos. 

     Quando uma pessoa mais idosa ia junto, precisava de ajuda para subir nas porteiras. Isso tudo fazia parte da penitência.
Minha mãe conta que acompanhou muitas procissões e não raras vezes, acontecia muita coisa inesperada aos caminhantes noturnos. 

     Em algumas ocasiões eram atacados pelos cães de guarda das fazendas. Nessa hora não havia como não quebrar as regras. O dono da casa tinha que sair e prender os animais. Era uma correria de gente gritando e subindo nas tábuas do curral, se embaraçando nos lençóis, fugindo da cachorrada.
     Assim seguia a romaria noturna, sem nunca voltar pelos mesmos caminhos. Quando os galos ensaiavam os primeiros cantos e as árvores ficavam cheias de canarinhos anunciando a aurora, chegavam à última casa. Nessa hora podiam ser recebidos com uma farta mesa de café e quitandas.
     O ritual só terminava na sexta-feira da Paixão, à meia noite, ao pé da cruz das almas. (foto acima de André Dib)Então, todos ajoelhados, cantavam uma música antiga, os mistérios do terço, finalizando com esses versos:
—Santa Maria Imaculada,
—Mãe de Nosso Senhor Jesus
—Por Ela, nos abençoa e guarda.
—Em nome da Santa Cruz!

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