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quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Cachoeira do Campo: o embrião do nascimento de Minas

(Por Arnaldo Silva) Quem vai a Ouro Preto passa, necessariamente, pela BR-356 – a Rodovia dos Inconfidentes. Em todo seu trecho, até a cidade Patrimônio Cultural da Humanidade, desde 1980, montanhas, matas nativas, lagoas e rios, enchem os olhos dos viajantes.
          Mais que isso, a estrada margeia cidades e distritos, onde à vista, um pouco de sua arquitetura e artesanato em cerâmica, pedra sabão e em madeira, imagens sacras, além frutas nativas, queijos, cervejas artesanais, cachaças, doces e até museus, como o Jeca Tatu, em Itabirito e o Museu das Reduções às margens da Rodovia, em Cachoeira do Campo, a 22 km antes de chegar a Ouro Preto. (fotografia acima de Ane Souz)
Passam e geralmente, não param. Mas deviam.
          Além de ser um dos mais antigos distritos de Ouro Preto, Cachoeira do Campo tem história na origem de Minas Gerais. Não é apenas mais um povoado a beira de estrada. É uma parte da história do nascimento de Minas Gerais.
          Cachoeira do Campo tem cerca de 8.500 habitantes. Conhecida por seu clima ameno e saudável, considerado um dos melhores climas do Brasil, oferece uma boa qualidade de vida, segurança e tranquilidade aos seus moradores. (na foto acima de Vinícius Barnabé/@viniciusbarnabe, a Rodovia dos Inconfidentes, no Funil)
          
Seu comércio rico e variado, além do distrito contar com indústrias diversas como a moveleira e mineradoras. Conta ainda com uma boa estrutura urbana e prestação de serviços de qualidade, ótimas opções de hospedagem e gastronômica, com restaurantes, padarias e lanchonetes encontradas com facilidades.
Origem
          O povoado do que é hoje Cachoeira do Campo, tem origem nas últimas décadas do século XVII, com a chegada à região das bandeiras chefiadas por Fernão Dias, por volta de 1674/75. As tropas pararam próxima a uma cachoeira de águas limpas, em volta a um campo rupestre, na parte alta de uma serra, conhecida hoje por Serra do Trino, onde exatamente está o Colégio Dom Bosco.
          Daí a origem do nome. Inicialmente, Cachoeira, passando a se chamar, Cachoeira o Campo desde o século XVIII. (na fotografia acima do Vinícius Barnabé/@viniciusbarnabe, a Cachoeira Cascaa Dom Bosco)
          Fernão Dias e suas bandeiras não fixaram residência na região, partindo pouco tempo depois. Segundo a história, seu primeiro morador foi Manuel de Mello, que chegou à região por volta de 1680.
Além da das margens da rodovia
          Por sua origem e histórica, Cachoeira do Campo guarda verdadeiras joias de nossa história, pouco conhecida pelos turistas que vão à Ouro Preto.
          Passam pela Rodovia dos Inconfidentes rumo a Ouro Preto e apenas passam, não entram no distrito. Deixam de conhecer os encantos e a história de uma das mais antigas e importantes povoações mineiras.
          Além disso, como verão no decorrer da matéria, Cachoeira do Campo foi o embrião do nascimento de Minas Gerais. (na foto acima do Vinícius Barnabé/@viniciusbarnabe, o curso d´água da Cachoeira da Cascata, passando por debaixo da Ponte de Pedras)
O que ver e o que fazer em Cachoeira da Campo?
A Matriz de Nossa Senhora de Nazaré
          Os portugueses trouxeram a devoção à Nossa Senhora de Nazaré, quando de sua chegada à Cachoeira do Campo, ainda no final do século XVII. Pela fé, ergueram uma pequena ermida, dedicada à santa de devoção no povoado em formação. (fotografia acima de Leandro Leal)
          Um cruzeiro todo em pedras de cantaria, muito bem encaixada, construído em 1799 é marco da fé do povo de Cachoeira do Campo, instalado na Praça da Matriz da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré.
          A matriz tem cinco imponentes e impressionantes altares, muito bem trabalhados, em finíssimas talhas e com riquíssimos elementos artísticos, talhados em madeira e ouro puro. (na foto acima e abaixo de Ane Souz, altar-mor e o forro da Matriz)
          Iniciada nos primeiros anos do século XVIII e concluída antes de 1730, substituindo a pequena ermida. Tem em sua arquitetura, riscos e traços do estilo predominante da primeira fazer do Barroco Mineiro, o Nacional-português. 
          Sua arquitetura singular, reflete as características que definiram o estilo das igrejas mineiras: simplicidade por fora e uma estupenda riqueza por dentro como podem ver na foto acima da Ane Souz.
          A Igreja de Nossa Senhora de Nazaré teve grande importância na história da formação de Minas Gerais por ter sido palco de batalhas da Guerra dos Emboabas (1707-1709) e da Sedição de Vila Rica ou Revolta de Filipe dos Santos (29/06 a 19/07 de 1720).
          Além disso, a Matriz tem enorme valor arquitetônico e cultural para Minas Gerais e para o Brasil. Por esse motivo, foi reconhecida em 1950, pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio brasileiro.
Governadores e o Imperador na Matriz
          Sua importância era tanta que os governadores da Capitania de Minas Gerais, faziam questão de assistirem as missas na Matriz de Nazaré. Naquela época, Vila Rica (hoje, Ouro Preto), era a Capital da Capitania de Minas Gerais.
          O Imperador Dom Pedro II (1825-1891), foi também um dos visitantes ilustres da Matriz de Nazaré, estando presente em Cachoeira do Campo e na Matriz, em 1881.
          Dom Pedro II veio à Minas Gerais para uma série de visitas às cidades mineiras, entre elas, Vila Rica. A comitiva imperial saiu do Rio de Janeiro em 26 de março de 1881. Vieram de trem até Barbacena e desta cidade, seguiram em carruagens e em cavalos, para Vila Rica.
          Chegaram em Cachoeira do Campo em 2 de abril de 1881, causando um grande alvoroço na população local, que esperava comitiva no adro da Matriz.
          Dom Pedro II e sua esposa, D. Teresa Cristina, ficaram deslumbrados com o altar da Matriz de Senhora de Nazaré. Visitaram o Palácio da Cachoeira e o Colégio Dom Bosco.
          A área do Colégio impressionou o Imperador, que demonstrou a intenção de transformar o local numa escola agrícola.
          No almoço servido à comitiva imperial, Dom Pedro II fez questão de sentar-se na cadeira em que seu pai, o Imperador Dom Pedro I, sentou, quando também visitou o distrito, em uma de suas viagens à Minas Gerais. A cadeira, encontra-se hoje guardada no Centro Dom Bosco.
Outros atrativos de Cachoeira do Campo
Igrejas históricas
          
Além da Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, outras igrejas de grande valor histórico são atrativos no distrito como a a primeira Igreja no Brasil dedicada à Nossa Senhora das Dores (na foto acima de Arnaldo Silva), construída em 1767.
          Tem ainda a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, construída em 1908 e a Igreja de Nossa Senhora do Bom Despacho, construída em meados do XVIII (na foto acima de Ane Souz)
          Essas três igrejas não estão abertas à visitação, em seu interior, apenas a Matriz de Nazaré, abre para visitação pública de terça-feira a sábado, entre 14h e 18h.
O chafariz
          Imponentes casarões, estâncias e construções suntuosas, para a época, marcam a arquitetura de Cachoeira do Campo como por exemplo o Chafariz de Dom Rodrigo na Serra do Ouro Preto, construído no século XVIII para levar água potável ao distrito. Construção tão bem feita que está ativo até os dias de hoje.
O Palácio da Cachoeira
          Para se ter ideia da importância e a tradicional qualidade de vida oferecida no distrito, em Cachoeira do Campo, foi construído em 1773, a mando de D. Rodrigo de Menezes, um imponente e luxuoso casarão, para ser residência oficial dos governadores da Capitania de Minas Gerais. É o Palácio da Cachoeira, no popular, Palácio dos Governadores.
          Na capital, Vila Rica, os governadores despachavam do Palácio do Governo, mas para residir, optavam pelo Palácio da Cachoeira, longe da agitação da mineração e clima bem úmido de Vila Rica, na época, uma das maiores cidades das Américas.
A ponte de pedras
          O acesso ao palácio era feito por uma ponte de 30 metros de comprimento, em pedra bruta assentada com argamassa e sangue de boi, como aglomerante. Foi construída na mesma época do palácio, no século XVIII. (fotografia acima de Arnaldo Silva)

O refúgio da aristocracia
           Com a presença da pompa e luxo da governança, poderosos ricaços da época, fizeram o mesmo, construíram moradias do distrito.
          Por suas características climáticas e belezas naturais, além da presença da governança no distrito, poderosos ricaços aristocratas da época, fizeram o mesmo, começaram a construir moradias em Cachoeira do Campo. Com isso, o distrito tornou-se, no século XVIII, um dos refúgios dessa nova classe, que se formava, graças à riqueza proporcionada pelo Ouro.
           Infelizmente, boa parte desses casarões não estão mais em pé. Os que restaram, contam a história da imponência da aristocracia mineira, durante o Ciclo do Ouro. A antiga morada dos governadores resiste ao tempo.
          A partir de 1811 o antigo palácio passou a ser um internato para meninas, sobre a direção das Irmãs Salesianas. Hoje, funciona no local o colégio Nossa Senhora Auxiliadora e o Retiro das Rosas, usado como um pequeno centro de convenções, muito procurado para retiros espirituais e congressos.
O Colégio Dom Bosco
          Outro atrativo é o antigo Quartel do Regimento Regular de Cavalaria de Minas Gerais, a célula-mãe da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Instalado em 9 de junho de 1775, a mando do Governador Dom Antônio de Noronha, tinha como missão principal, guardar as recém descobertas minas de ouro de Vila Rica. (fotografia acima de Arnaldo Silva)

          Antes da instalação do regimento, no local funcionava o Quartel dos Dragões Del´Rey, guarnição que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era lotado, na patente de alferes, nos dias de hoje, um tenente.
          Em 1816, o local foi adaptado para receber a Coudelaria Imperial, instalada em 29 de julho de 1819, transformando-se no maior centro de treinamento, criação, seleção e aperfeiçoamento de cavalos de raças, da província mineira.
          Em 1834, já no fim do Ciclo do Ouro, o Regimento Regular de Cavalaria de Minas Gerais foi deslocado para o Rio de Janeiro e transformado no Primeiro Corpo de Cavalaria do Exército.
          Com isso, o espaço foi adaptado para ser um internato para meninos de todo o país, funcionando do século XIX, até a década de 1980, para este fim.
          O Colégio Dom Bosco, foi por décadas um dos mais tradicionais internatos para meninos do Brasil. Hoje, as instalações são usadas para congressos, encontros, simpósios e reuniões.
Educação e bandas musicais
          Cachoeira do Campo tem tradição na educação de qualidade. O primeiro grupo escolar no distrito foi fundado em 1907, em homenagem ao Padre Afonso de Lemos. Hoje, é uma escola estadual de ensino fundamental e médio.
          Desde o século XIX, as tradicionais bandas musicais compõem o cenário cultural do distrito e permanecem ainda na ativa. Como destaque a Banda Euterpe Cachoeirense, criada em 1856 e a Sociedade Musical União Cachoeirense, hoje, Sociedade Musical União Social, fundada em 1864. Inclusive, as duas bandas de Cachoeira do Campo estão entre as mais antigas bandas civis de Minas Gerais.
Festas populares
          Cachoeira do Campo se destaca em Minas por realizar um dos mais importantes festivais gastronômicos da Região, a Festa da Jabuticaba A festa acontece na época da temporada da fruta, entre novembro e dezembro.
          Destaque ainda para as festas de Nossa Senhora de Nazaré e a Festa do Cavalo, em julho.
O embrião do nascimento de Minas Gerais
A Guerra dos Emboabas

          Foi na Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, em 1708, antes mesmo da conclusão das obras, que o português Manuel Nunes Viana, aclamado pelo povo, assumiu o cargo de primeiro Governador de Minas Gerais.
          Nessa época a Matriz de Nazaré era o centro do povoado e foi justamente em Cachoeira do Campo, que foi desencadeado um dos mais violentos confrontos da Guerra dos Emboabas (1708 – 1709), conflito entre portugueses e bandeirantes paulistas que queriam exclusividade na exploração das minas de ouro no território mineiro, bem como o monopólio no comércio de gêneros de primeira necessidade.
          Com esse objetivo, a Capitania de São Paulo estendeu seu domínio para a maior parte do território mineiro, adotando o nome de Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, bem como a Capitania do Rio de Janeiro, que anexou parte do território de seu território mineiro aos seus domínios.
          Mesmo tendo durado pouco mais de um ano, durante a Guerra dos emboabas, ocorrerem batalhas sangrentas, principalmente em Cachoeira do Campo.
          Com derrota dos bandeirantes paulistas, a Coroa Portuguesa passou a controlar de forma mais enérgica as atividades mineradoras e o comércio, bem como, taxar impostos e exercer uma constante e repressiva fiscalização na cobrança.
A Sedição de Vila Rica
          Evento histórico, ocorrido entre 29 de junho e 19 de julho de 1720, considerado o embrião para o nascimento de Minas Gerais. Teve seu ápice final no adro da Matriz de Nossa Senhora de Nazaré com a prisão de Filipe dos Santos (Portugal 1680 – Vila Rica, 1720).
          Filipe dos Santos veio para o Brasil, radicando-se em Vila Rica, no início do século XVIII, atuando como tropeiro, comerciante e político.
          Em Vila Rica, se destacou na liderança das camadas mais populares, encarnando a revolta da população contra os abusos cometidos pela Coroa Portuguesa, como por exemplo, as casas de fundição, criadas pela Coroa para fundir o ouro e controlar a extração mineral em Minas Gerais.
          Nessas casas, os mineradores tinham que levar o ouro extraído, que era fundido na casa e transformado em barras, cunhadas com o selo do Reino português. Essas barras eram enviadas para o porto de Paraty e de lá, para Portugal.
          Dos mineradores era cobrado uma quinta parte do ouro extraído, como imposto, chamado de Quinto. Isso equivaleria hoje a uma taxa de 20% do valor do bem.
          Para o povo e mineradores, uma taxa altíssima, diante de todas as dificuldades na extração e transporte do ouro, além do envio das riquezas para Portugal.
          Filipe dos Santos se revoltou contra o quinto e queria o fechamento das casas de fundição e formar um novo governo em Minas. Com este objetivo, liderou uma revolta popular conhecida como Sedição de Vila Rica e A Revolta de Felipe dos Santos.
          O movimento em si foi derrotado e Felipe dos Santos preso condenado à forca, por ordem de Pedro de almeida Portugal, o Conde de Assumar, então Governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro.
          Mesmo não tendo jurisdição para essa ordem, Assumar não era juiz e nem fazia parte do judiciário à época, mesmo assim, sua ordem foi cumprida.
          Filipe dos Santos foi executado, retirado em seguida da forca e seu corpo amarrado pelas mãos e pés a quatro cavalos, sendo todo destroçado.
          Partes de seu corpo, foram penduradas em pedaços de madeira e espalhados pela cidade. Prática comum da Coroa Portuguesa na época, para intimidar e servir de exemplo a quem se atrevesse a ir contra as leis impostas pelos colonizadores, a seus colonos.
          Toda liderança do movimento foi presa, mas apenas o líder principal, Filipe dos Santos, foi condenado. Os outros líderes e revoltosos presos, foram perdoados.
          Embora a povoação de Minas Gerais tenha se iniciado a partir de meados do século XVII, o movimento liderado por Filipe dos santos, tornou-se o marco do nascimento oficial do Estado de Minas Gerais.
          A insatisfação popular com a presença cada vez mais crescente em Mina Gerais e ainda, ser extensão da Capitania de São Paulo, gerava cada vez mais revolta nos mineiros. 
          Alguns meses depois do fim da Sedição de Vila Rica, em 12 de dezembro de 1720, Minas Gerais tornou-se uma Capitania independente, separando-se de São Paulo, passando a ter domínio administrativo próprio, sobre seu território. Essa data é comemorada como a data da fundação do Estado de Minas Geais e fim da influência paulista em Minas Gerais.
          Nas origens de Minas Gerais, Cachoeira do Campo, foi um dos atores protagonistas do nascimento do estado mineiro.
A Praça Filipe dos Santos
          Em frente ao adro da Matriz, onde ocorreu a prisão de Filipe dos Santos, é uma praça hoje, com o nome de Filipe dos Santos. (fotografia acima de Arnaldo Silva)

          Além do adro, da Matriz e praça, o conjunto é formado por uma murada, coreto e casarões coloniais completando o cenário colonial.
Pare e entre em Cachoeira do Campo
          Quando vier à Ouro Preto, pare em Cachoeira do Campo e entre. Na rodovia, tem lojas diversas de artesanato em pedra sabão, como panelas, na foto acima do Arnaldo Silva e em madeira, como na foto abaixo, do mesmo autor.
          Entre no distrito, conheça as igrejas, o Colégio Dom Bosco, os casarões, a Ponte de Pedra. Almoce ou faça um lanche nos vários bares, lanchonetes e restaurantes do distrito.
          Conheça e vivencie um pouco de um lugar que gerou Minas Gerais, como Capitania autônoma e um estado dotado de uma imensa riqueza cultural, arquitetônica, cultural, natural e único no Brasil.

3 comentários:

  1. Realmente vale a pena visitar este distrito
    Existem vários atrativos culturais e históricos. Obrigado por postar este importante artigo.

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  2. Quero muito conhecer
    Ainda mais que descobri sobre meu pentavô direto em linhagem paterna veio de Portugal a 200 anos, casou em Vila Rica e foi morar em Cachoeira do Campo.

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