Minha memória olfativa selecionou entre os melhores cheiros, aqueles que rescendiam dos canteiros aguados ao fim das tardes, quando o ar era terra molhada, cebolinha, salsa, hortelã e manjericão, se misturando numa profusão de odores exóticos a penetrar pelas narinas. Como esquecer a sensação daqueles aromas trazendo paz e aconchego, acalmando cansaços e fadigas de mais um dia?
Não tínhamos luxo, mas vivíamos numa comunhão bonita com a Natureza. Era bom seguir a faina dos tempos de plantar, colher e beneficiar os víveres que iriam para nossa mesa. Arados revolvendo a terra, enxadas na capina, foices nos roçados, o feijão secando em grandes bandeiras nos terreiros, à espera de ser batido com longas e finas varas de bambu, a fim de que os grãos se desprendessem das vagens e pudessem ser armazenados nas sacas.
Arrancar a mandioca, descascar, lavar, ralar, prensar, até vê-la em farinha morena torrada em tachas, sobre fornalhas, à sombra de uma antiga mangueira, à porta da cozinha, era outra alegria. Dos extensos mandiocais a sumir de vista, vinha também o polvilho, branco e sequinho que durante muito tempo proveria as quitandas da casa, nas delícias do pão de queijo caseiro ou o biscoito frito em gordura de porco, coisas de Minas, do povo da roça.
Do milho ainda verde era feito o mingau, a pamonha, broas e bolos. Uma vez maduras, as espigas eram colhidas, debulhadas, moídas no moinho d’água movido por um ribeirão ao fundo da casa, e nos abastecia com o fubá, usado para o feitio de tantos outros pratos deliciosos. Tudo tão puro, tão organicamente saudável, sem quaisquer aditivos ou processos de industrialização.
A vida não era fácil. Mas poucas coisas são tão gratificantes como colher o próprio alimento cultivado com trabalho e suor. Penso no privilégio que tive em poder usufruir de tudo isso, sinto uma saudade imensa de tudo e sou grata pela oportunidade de poder ter vivenciado experiências tão ricas.
Hoje, passando por um determinado bairro da cidade, me deparei com alguns canteiros plantados rentes à rua. Não sei quem é o dono daquela hortinha que convive corajosamente com o asfalto, mas tenho pra mim, que deve ser alguém que nasceu para plantar: mãos que nascem para a terra sempre acham um cantinho para conversar com ela, ainda que seja num canteirinho em meio à selva do cimento e do concreto.
Marina Alves é escritora e morada de Lagoa da Prata MG
Texto lindo!!
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