(Por Leandro Jabour Pazeli*) Viajar tem muito a ver com histórias. Tanto contar suas próprias quanto ouvir a dos outros. Muitas vezes um destino acaba valendo ainda mais por uma experiência humana do que estética. É o caso da Cachoeira do Tempo Perdido, no pequeno distrito de Capivari, município de Serro, a aproximadamente trinta quilômetros de Diamantina, Minas Gerais.
Esta foto de autoria de André Dib, foi capa da Revista National Geographic de janeiro/18. É o rosto de Dona Anita. O rosto do Sertão
A cachoeira tem mais de cinco metros de queda e um poço agradável para banho, cercada por vegetação nativa. Até Capivari são doze quilômetros de uma estrada de terra com pouca manutenção. O acesso, portanto, é difícil, o que pode ser considerado uma vantagem para alguns e uma desvantagem para outros. Do vilarejo, parte uma trilha fácil de aproximadamente quarenta minutos até a cachoeira (há uma taxa por pessoa para o acesso).
Esta foto de autoria de André Dib, foi capa da Revista National Geographic de janeiro/18. É o rosto de Dona Anita. O rosto do Sertão
A cachoeira tem mais de cinco metros de queda e um poço agradável para banho, cercada por vegetação nativa. Até Capivari são doze quilômetros de uma estrada de terra com pouca manutenção. O acesso, portanto, é difícil, o que pode ser considerado uma vantagem para alguns e uma desvantagem para outros. Do vilarejo, parte uma trilha fácil de aproximadamente quarenta minutos até a cachoeira (há uma taxa por pessoa para o acesso).
A paisagem natural, no entanto, por mais espetacular que fosse, ficou em segundo plano no passeio. A personagem que decidimos homenagear neste dia da mulher já ganhou fama tendo sua foto publicada na capa da revista National Geographic, importante publicação científica que circula em trinta e três países. Uma personagem mais fotografada que a própria cachoeira. Ela, porém, não parece se importar.
Dona Anita mora no último limite de Capivari com o Parque Estadual Pico do Itambé. Seus olhos são azuis e misteriosos e têm sua origem em algum ponto na história do país desconhecido por ela. Ela sabe que seus pais moravam nesta serra, na beirada do sertão e nos confins do mundo. Então eles morreram e, de algum modo, ela veio parar numa casinha de taipa, com um fogão a lenha e dois outros pequenos cômodos. Ela convida para um café. E eu recusaria um café normalmente. Mas não no interior de Minas, não da Dona Anita.
Dona Anita mora no último limite de Capivari com o Parque Estadual Pico do Itambé. Seus olhos são azuis e misteriosos e têm sua origem em algum ponto na história do país desconhecido por ela. Ela sabe que seus pais moravam nesta serra, na beirada do sertão e nos confins do mundo. Então eles morreram e, de algum modo, ela veio parar numa casinha de taipa, com um fogão a lenha e dois outros pequenos cômodos. Ela convida para um café. E eu recusaria um café normalmente. Mas não no interior de Minas, não da Dona Anita.
A cachoeira, considerada uma das mais bonitas de Minas, fica no final da trilha que parte da casa dessa senhora. Eu pergunto se ela a visita com frequência. Uma pergunta inocente, de gente da cidade. Ela me diz que visitava quando menina, agora ela não anda mais tanto.
Há um inchaço na perna dela, roxo como a noite do sertão. Picada de cobra, ela me diz e, antes de entrarmos na casa, ela me mostra o ponto no mato onde ela jura que a cobra está a espreitá-la vilmente para sempre. E eu automaticamente descarto a história de Dona Anita, porque cobras não têm rancores nem obsessões. Mas então eu olho nesses olhos azuis que põem verdade na rivalidade entre uma mulher e uma cobra. E então me lembro de que, na cidade, há cobras que mordem e vão embora, e nós cismamos que elas nos estão observando quando provavelmente não estão. E acredito na Dona Anita. E então eu retorno da imaginação à ciência e pergunto a ela o que ela fez quando foi mordida. A resposta é um gesto de quem arranca uma cobra da perna e joga longe, e depois um simples “benzi”.
Há um inchaço na perna dela, roxo como a noite do sertão. Picada de cobra, ela me diz e, antes de entrarmos na casa, ela me mostra o ponto no mato onde ela jura que a cobra está a espreitá-la vilmente para sempre. E eu automaticamente descarto a história de Dona Anita, porque cobras não têm rancores nem obsessões. Mas então eu olho nesses olhos azuis que põem verdade na rivalidade entre uma mulher e uma cobra. E então me lembro de que, na cidade, há cobras que mordem e vão embora, e nós cismamos que elas nos estão observando quando provavelmente não estão. E acredito na Dona Anita. E então eu retorno da imaginação à ciência e pergunto a ela o que ela fez quando foi mordida. A resposta é um gesto de quem arranca uma cobra da perna e joga longe, e depois um simples “benzi”.
Eu admiro a coragem e a fé. Que se curem as mordidas. Nós vamos para dentro e ela põe sobre mim todo o azul dos seus olhos. Ela me diz que sou bonito, e eu nunca recebi elogio tão sincero. Eu digo que ela é bonita e nunca elogiei tão sinceramente. Ela faz café e me conta casos de pessoas que matam as outras no sertão pelos motivos mais vulgares. Eu penso que o sertão é um lugar violento, e Guimarães Rosa sussurra na minha cabeça: “o sertão é o mundo”. Dona Anita me aconselha a arranjar uma namorada bem nova, e a nunca matar ela se tivermos alguma desavença. Separar é uma solução melhor, ela sugere. “O mundo tá estranho. A gente mata porco e galinha, não gente. Agora, o homem virou galinha.” E a metáfora me pega desprevenido. Como ela fala bem, como ela tem sabedoria. Eu penso nos “homens sábios” da cidade, nas pretensões da cidade…
Eu ouso perguntar se Dona Anita sabe que ela já foi capa de uma das revistas mais importantes do mundo. Mas, para ela, a National Geographic não é tão importante, nem a sua própria imagem. Talvez por vê-lo todo dia, ela não reconheça que seu rosto é o sertão. E o sertão é o mundo. E o café é doce. Na cidade, açúcar faz mal. No sertão, a cidade faz mal. E então há paredes de taipa, um fogão a lenha e o calor do sertão. Pode não ser a experiência estética comum ao turismo de massa, mas é definitivamente uma experiência enriquecedora. Se viajar é sobre histórias, conhecer personagens como Dona Anita é importantíssimo. Por isso estimulamos a viagem não só a lugares, mas às culturas e às pessoas. Dona Anita estará lá, indicando o início da trilha para a cachoeira e oferecendo seu café. E ela merece ser conhecida.
Artigo e fotos (exceto a primeira de André Dib) são de autoria de Leandro Jabour Pazeli (leandro175@hotmail.com)
Eu ouso perguntar se Dona Anita sabe que ela já foi capa de uma das revistas mais importantes do mundo. Mas, para ela, a National Geographic não é tão importante, nem a sua própria imagem. Talvez por vê-lo todo dia, ela não reconheça que seu rosto é o sertão. E o sertão é o mundo. E o café é doce. Na cidade, açúcar faz mal. No sertão, a cidade faz mal. E então há paredes de taipa, um fogão a lenha e o calor do sertão. Pode não ser a experiência estética comum ao turismo de massa, mas é definitivamente uma experiência enriquecedora. Se viajar é sobre histórias, conhecer personagens como Dona Anita é importantíssimo. Por isso estimulamos a viagem não só a lugares, mas às culturas e às pessoas. Dona Anita estará lá, indicando o início da trilha para a cachoeira e oferecendo seu café. E ela merece ser conhecida.
Artigo e fotos (exceto a primeira de André Dib) são de autoria de Leandro Jabour Pazeli (leandro175@hotmail.com)
Maravilhosos! A ilustração e o texto, parabéns, Leandro!
ResponderExcluirMinas é isto.Um estado de pureza e magia.
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ResponderExcluirQue história mais linda em sua forma simples de ser contada! Gratidão Leandro!
ResponderExcluirBela reportagem. Capivari é realmente um lugar especial. Já estive lá e fui na Cachoeira do Tempo Perdido e no Pico do Itambé, mas não tive o prazer de conhecer esta linda senhora, pura de coração.
ResponderExcluirQuanta sensibilidade! Vc viu direitinho o sertão e sua gente. Fiquei comovida com seu texto. Parabéns!
ResponderExcluirQue história bonita. Um pedacinho do Brasil, no começo do sertão.E ela tem olhos azuis, que bonito.
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